Guilherme José
livreiro “Malfeitor”
Com a investida da Rússia sobre a Ucrânia há aproximadamente ano e meio, ainda persiste uma série de comentadores que tende (erroneamente!) a olhar para o invasor segundo um ponto de vista meramente ocidental. Não sei se propositadamente ou não, mas a verdade é que, sempre que o fazem, acabam a cometer um erro crasso. Vejamos, se existe matéria que sustenta um povo e o edifica, é a Filosofia, e essa não falta à velha Rússia, que não só a preserva como ainda a cumpre.
É crucial para compreender o povo Russo, as suas origens, o seu comportamento, ler Dostoiévski. Sobretudo a obra Diário do Escritor (1873), na qual o autor elabora uma análise psicológica acerca dos seus conterrâneos. Igualmente importante é referenciar que Dostoiévski se opôs, nos seus últimos anos, à ideia da possibilidade de uma modernização da Rússia, entenda-se, a uma entrega desmedida à Europa, proposta durante o reinado de Pedro I. Ainda assim, ele não pôde ser considerado propriamente um Eslavófilo, uma vez que não ambicionava uma “aliança natural” com outros povos eslavos, pois isso anularia a superioridade russa. Nessa altura, o escritor já tinha descartado uma boa parte do pensamento socialista (socialismo esse, maioritariamente, elaborado por Alexander Herzen), que outrora havia defendido; aliás, Dostoiévski tornara-se quase um reacionário, profundamente religioso (Ortodoxo), e monárquico.
Vários autores apoiaram as mesmas causas: a soberania da Rússia; a necessidade em manter uma distância significativa em relação ao Ocidente – esse, que, para muitos deles, estava em “morte espiritual” devido ao triunfo do racionalismo. Deparamos com tal abordagem nos escritos de Aleksei Khomiakov, também nas obras de Ivan Illyin (um defensor do Eurasianismo, cujos escritos exercem uma enorme influência sob Vladimir Putin). Claro que existiu, frente a tudo isso – tanto nessa época como mais tarde – uma oposição forte, provinda de russos que se tinham europeizado, como Mikhail Bakunin; Piotr Kropotkin; o próprio LevTólstoi.
Considero mesmo importante que nos apercebamos, a fim de melhorarmos consideravelmente as nossas análises sobre a Rússia, que o pensamento Eslavófilo e o Eurasianismo são as grandes correntes filosóficas presentes na história russa. E as intempéries revolucionárias, desde o Anarquismo ao Comunismo, foram, segundo alguns pensadores, uma espécie de “adormecimento” de um país altamente patriota e conservador. ■