Como escrevi na última crónica ”estava a começar a rever o texto sobre Escoffier, outro vulto da grande cozinha francesa.”
Foi quando me “assaltou” a lembrança do aniversário do Diniz e escrevi sobre a sua “desvairada” e perigosa iniciação alimentar.
Encerrado o episódio havia que estender a passadeira ao Chef Escoffier, que bem a merece.
Foi quando me telefona um Senhor, que me ajuda a ter a biblioteca actualizada, anunciando-me o velho/novo dois em um do José Quitério, alvo, ultimamente, de merecidíssimas homenagens, embora por razões, tristes, as da sua saúde ocular.
Veio o livro, revisitei-o, enriqueci o meu saber e cá estou a enrolar a passadeira para o Escoffier.
A pags. 397 e ss. do capítulo Estórias Volantes, Quitério relembra, ou ensina – depende dos conhecimentos de cada um – que Carême fez um pastel de medidas maiores do que as do costume e terá exclamado.”elle vole au vent”.
E é o vol-au-vent o responsável pela nova “espera” de Escoffier.
Quitério conta sobre o tema um episódio muito curioso, por ocasião de um banquete oferecido em Vila Viçosa, ia o ano de 1571 pelo Duque de Bagança, D. Teodósio, antes de se tornar D. João IV, ao que dizem por força da frase célebre de sua Augusta esposa: “mais vale Rainha uma hora do que Duquesa toda a vida”.
Para saber mais nada como ler a recente e supra aludida obra de arte, que aconselho vivamente.
Vamos ao tema principal: vol-au-vent. Reza o Larousse Gastronomique tratar-se de uma iguaria atribuída a Carême, feita com massa folhada, em formato de caixinhas que, depois de assadas no forno, são recheadas com misturas cremosas. O folhado de tais caixinhas vem com uma tampa, que é removida, para se rechear e recolocada, a final.
“É uma entrada bonita e muito boa. É quase sempre comida com prazer dado ser muito leve e delicada. Depois de cozido recebe uma gauarnição ligada a um molho de natureza variada”, disse o Chef. As mais comuns, ao tempo, seriam à financeira (guarnição rica,que junta cristas de galo, “croquetes” de aves, cogumelos fatiados, salpicão de trufas, tudo ligado com molho de Madeira), à rainha (com cogumelos e trufas, ligados pelo molho suprema), à beneditina (recheio com puré de bacalhau e de batata, vulgarmente conhecido por brandade de que são exemplo o bacalhau à Cozinha Velha ou à Conde da Guarda, de que já me ocupei nestas páginas), com frutos do mar, à la Nantua (com lavagantes ou rabos dos ditos, que deriva do nome de uma população de Bugey”, entre outras.
Há folhados quadrados, rectangulares, redondos, dos que se partem e servem à fatia e há de tamanhos mais pequenos, individuais e os pequeninos, para comer de uma vez só, pois cabem na boca, os “bouchés”.
Pelo que fica dito é um folhado multi-funções: de acordo com o recheio e o tamanho servem como entretem de boca (a que os gauleses chamam amuse gueule), nos serviços volantes, como entrada, à mesa, servido à unidade, empratado, guarnecido ou não e como prato principal. Isto no campo dos salgados, como é mais comum.
Não os conheço doces mas, especialmente em tempos de cozinha de autor, não me atrevo a dizer que não existem…
João Reboredo