Ano novo, vida nova. Ou nem por isso. Com o passar dos anos, repetem-se promessas falhadas, o déjà vu toma conta das horas, há uma certa previsibilidade que se instala no leito da existência. Não desanimemos. Talvez siga a sugestão de João Paulo Esteves da Silva num poema de “Vertem-se Bíblias em Quimbundo”: «Aqui no tablet, por exemplo, posso sincronizar-me com o tempo judaico / Um ligeiro toque e já não acaba o ano, já lá vai a festa». De 1 de Janeiro de 2018 salto para 14 de Tevet de 5778. Ou então sincronizo-me com o tempo islâmico, e de 14 de Tevet de 5778 regrido até 13 de Rabi`ath-Thani de 1439. E assim tão depressa rejuvenesço quanto envelheço. Uma maravilha ou um pesadelo, conforme humores e feitios.
Faço votos para que 2018 seja rico em reflexões, ideias e actos, mas logo me ocorre que talvez lá para 5778 mereça tal sorte. Muito provavelmente, em matérias costumeiras continuaremos em 2018 como quem anda por 1439. Ocorre-me o nome de Tiago Mileu, jovem pianista impedido de tocar no Museu José Malhoa porque alguém, lá dos idos de 1439, julgou que os visitantes do Museu não devem ser perturbados pelos nocturnos de Chopin. Versão caseira do sucedido com o prodígio Thiago Tortaro, denunciado lá para as bandas de Rio de Mouro. Crime: ensaiar peças clássicas que feriam os tímpanos de uma vizinha. Que se passa com os Tiagos? Que se passa com os seus vizinhos? Decalcando conhecida figura com pretensões de voltar a ser primeiro-ministro, talvez acabemos todos um dia a ouvir os violinos de Chopin. Peça sui generis, a quem certo dia alguém deu o nome de “violinos de Santana”. Puro silêncio. Não seria tão reconfortante?
Já que estamos com a mão no Museu, outro voto para 2018 é uma iluminação decente naquelas salas. Não sei se é viável, mas sugiro que se aproveitem algumas dos milhares de lâmpadas espalhadas pelas ruas da cidade durante a quadra natalícia – época onde a nível de consumismo teremos chegado a 5778, mas em matéria de sensatez continuamos a patinar em 1439. Um museu sem luz é como um jardim sem flores. Bem sei que por cá estamos habituados a Feiras dos Frutos sem fruta, a Teatro sem sala, a termas sem banhos, a lixo sem caixotes, a lojas sem lojistas, a pavilhões sem portas nem janelas, a espectáculos sem espectadores, a jardins de águas secas, mas já era tempo de aterrarmos em 2018 como deve ser, ou seja, deixando para trás a Idade Média.
Enquanto não aterrarmos no século XXI, bem que podemos continuar a sonhar com 5778 nostálgicos dos idos de 1439. Tendência deveras portuguesa, esta de não sabermos estar no tempo em que estamos. Daí que o nosso tempo nunca seja o nosso, seja sempre o “naquele tempo” em que tudo era diferente de hoje. Excepto, talvez, a (sempre ausente) perspectiva do futuro. Eis o maior dos desafios, aprender a viver o nosso tempo perspectivando o futuro com as lições do passado. Será muito esperar que a mentalidade de quem decide possa ser menos 1439 e mais 5778? Será exigir em demasia maior respeito pelo património colectivo? Eis duas dúvidas a que não arrisco dar resposta, enquanto vou entretendo os dias com o tablet: a saltar no tempo, de calendário em calendário. Bom 2018, então. Por onde quer que andem.
Henrique Fialho
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