E Agora José? 1 – Pascha ou a Ressurreição!

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José Ramalho
actor & marionetista

No Concílio Quincex, realizado em Constantinopla em 692 d.C., o 92º cânone recomenda a representação de Cristo na sua forma humana, abandonando a sua figuração pelo cordeiro.
Desde então a figura de Cristo veio a ser trabalhada na Arte Sacra nos mais variados materiais e diversidade técnica, tendo em muitos casos ganho complexos sistemas mecânicos, permitindo aproximar a sua anatomia à realidade da mecanicidade humana.
A sofisticação destas figuras foi ganhando detalhe de relojoeiro, alcançando o primor com as Imagens de Roca, articuladas e de vestir, ainda presentes em muitos templos de Portugal, sobretudo no Norte e levados para o Brasil, lá ocupam um papel relevante no património religioso. As Imagens de Roca, vestidas a rigor servem não só a contemplação nos templos, mas assumem superior relevância nas procissões.
Estas marionetas de tamanho humano ganham imponência, quer pela qualidade escultórica, quer pela qualidade da articulação, aproximando-as do realismo de movimentos humanos.
No princípio da Idade Média é no interior dos templos que se fazem a maior parte das representações litúrgicas. A Páscoa e o Natal são os momentos mais importantes para estas representações, a Paixão de Cristo e o nascimento do Menino-Jesus são a base do repertório.
A palavra marioneta tem origem na Idade Média, do francês marionnette que quer dizer “petite Marie”, diminutivo de Mariole nome dado antigamente às pequenas figuras da Virgem Maria, representada no Presépio, na evocação do Mistério da Natividade.
A título de curiosidade, um dos presépios de Machado de Castro, existentes no Museu em Coimbra, inclui no painel de figuras um marionetista.
O tempo pascal que atravessamos deve ocupar nas nossas vidas, a crentes e não-crentes a importância da ressurreição, não no sentido exclusivo de acordo com o credo individual, mas sobretudo na renovação do olhar, dos comportamentos, na reflexão e construção de pensamento, sobre como abordar o desenvolvimento dos novos tempos.
A amplitude de olhares plurais que a sociedade contemporânea suscita tem de provocar em cada um a abertura para o outro, independente do seu credo, da sua cor, da sua origem.
É nesta pluralidade, que o povo deste País, tão bem soube, em tempos idos, fazedores da génese da globalização, antecipar este conceito e a sua prática, promovendo a mestiçagem, que nos tornou Mundo dos mundos.
É neste património indelével, que não devemos esquecer, antes o devemos promover, revelando às novas gerações essa memória colectiva, que construiremos a renovação.
Recentemente foi notícia o assassinato de duas pessoas, numa instituição de referência mundial, sediada em Lisboa, onde desenvolviam um trabalho de integração, dos que buscam estas paragens para encontrar a sua ressurreição.
No imediato, levantaram-se vozes a querer condicionar o achamento desta terra por gentios de outras latitudes.
Num país em que a demografia vai declinando à vista de todos, pelas inúmeras razões devidamente identificadas, é na vinda de outras gentes, agora ou num futuro não-longínquo que residirá o futuro deste rectângulo à beira-mar plantado.
As políticas públicas das cidades e com maior ênfase, nas de pequena e média dimensão, como a que vivemos, importam no arrumo desta nova realidade, criando as regras e as oportunidades para essa inexorável caminhada.
A oferta cultural assume papel importante neste desiderato, não se pode confinar à visão conservadora, antes procurar os actores locais, representativos da multiculturalidade, bem visível nas ruas da nossa cidade e com eles construir programas, que contribuam para promover o conhecimento e a partilha. É no conhecimento do outro que aprendemos a confiança mútua. Haja Ressurreição! ■ 1Verso do poema JOSÉ de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987)

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