Em fim de linha

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Gazeta das Caldas
Maria João Melo

Não precisei adquirir bilhete de passagem para poder viajar, com os netos, numa exposição de modelismo.
Um curioso mundo que, no mesmo tempo cronológico, acontece noutro espaço, mas que a todos, adultos e crianças, transfere desta realidade para uma outra existência projetada nesse universo em miniatura.
Maravilhados, detivemo-nos longamente a acompanhar a fluidez do movimento que, sobre os trilhos elétricos do comboio brinquedo, se harmoniza com a reprodução detalhada do enquadramento paisagístico e do humano que retrata as inúmeras atividades quotidianas dependentes daquele meio de transporte.
Um microcosmo em que a passagem da composição férrea é ininterrupta, sem atrasos, supressões ou avarias. Sobretudo, sem a angústia que a incerteza da espera pela passagem do próximo comboio, como a que na Linha do Oeste, devido à dimensão que uma outra pequenez, provoca.
Minúsculas pessoas numa mini ferrovia com aparelhos de mudança de via, sinalização e assentador de trilhos que, ao contrário do cenário desperdiçador de competências da EMEF, apresentava fartura de figuras representando trabalhadores ferroviários em oficina desempenhando tarefas de manutenção de locomotivas, vagões e carris.
Pela satisfação que provoca a visão desta utopia à escala Z, voltamos para contemplar, uma e outra vez, a facilidade daquela bucólica existência não poluidora, e que até figuras de turistas inclui. Elementos em estereotipada atitude fotográfica focados no registo da função social da mobilidade, representada naquele pitoresco pedaço de Portugal encolhido, mas não às encolhas.
No horário previsto e com a exigível articulação intermodal, pelo apelo daquele ideal imaginado, deixei-me transferir para dentro de uma daquelas reluzentes carruagens com janelas limpas de grafitis, percorrendo tranquilamente, algo mais do que pequenos trechos de um trajeto, vislumbrando as possibilidades de um território belo, ordenado, poupado à combustão.
Foi sem perda de carga que desta fantasia me apeei. Poupada a esse transtorno que tantos passageiros transfere para outras alternativas, constatei que, para prestar um eficaz serviço de fascinação ao visitante, o dedicado modelista investiu, quer em material circulante, quer em acessórios.
Terá sido por isso que adquiriu significativa vantagem face à aposta do expositor vizinho em modelos de automóveis, que apesar da velocidade, tinha a bancada menos concorrida. É que, até naquela rodovia, a aposta na aceleração, proporcionada pela ampla pista e pelos engenhosos motores, causa despistes incompatíveis com barreiras como pessoas, árvores e edifícios, determinando um cenário estéril e pouco apelativo.
De regresso à escala local, que não a 1:220, sobre a qual decorreu a Conferência sobre Mobilidade e Transportes Públicos, promovida pelo Bloco de Esquerda, o fato retratado pelos intervenientes é que o sistema ferroviário nacional, está em rutura, para desespero dos utentes e dos trabalhadores ferroviários.
A mobilidade obtém-se por meio de políticas de transporte coletivo que visam a melhoria de acessibilidade facilidade de deslocação das pessoas e cargas no espaço urbano e rural, que não necessariamente privado nem motorizado segundo a lógica socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável.
Sobre carris parece estar a andar o engate para a composição da privatização do serviço público da ferrovia nacional que importa impedir, quer por questões ambientais, quer por razões energéticas e porque a infraestrutura foi paga por investimento público.