Crónica do Québec (Canadá)

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Este país

Decidi dar a estas pequenas crónicas o título de «Crónica do Québec (Canadá)», pois para quem não está muito familiarizado com a geografia socio-política deste país, poderá pensar que, à semelhança de Portugal, se trata de um todo uno e indivisível, com fronteiras definidas pelo menos desde os tempos da Colonização francesa.
Nada mais errado, basta lembrarmo-nos de que o último território a entrar para a Confederação Canadiana, foi a nossa bem conhecida Terra Nova e Labrador, e isto aconteceu há apenas 61 anos, mais precisamente em Março de 1949, quando deixou de estar directamente ligada ao Império Britânico.  Já agora, e se a ilha de Terra Nova, é aceite sem problemas pelas outras provincias, já no que concerne a parte continental, Labrador  (parece haver consenso em que o nome deriva do explorador português João Fernandes Labrador que juntamente com Pedro Barcelos  avistaram a região em 1499 ) ainda hoje o Québec, não reconhece as fronteiras definidas na altura.

Este é apenas um dos muitos problemas, que fazem com que a situação politica do país seja tudo menos estável, e um dos factores que mais contribui para essa instabilidade, é a presença da nossa provincia, Québec, três vezes a superficie da França, com uma população francófona de cerca de 8 milhões de habitantes e um PIB per capita superior a $37,000.00 dolares canadianos.
Hoje o Canadá é um dos últimos países a jurar fidelidade a Sua Alteza a Rainha de Inglaterra, e com a Austrália, um dos últimos bastiões do glorioso Império Britânico.  Talvez por isso os descendentes dos franceses, que depois dos espanhóis, foram o primeiro povo que encetou uma verdadeira colonização da Costa Leste do continente americano, lutem diária e desesperadamente pela manutenção da sua identidade própria, que faz com que cidades como Montreal ou Québec (a capital da Província) sejam um caso único, pelos seus usos e costumes tipicamente latinos, neste grande mar anglófono que é todo o continente Norte Americano.  E se é um facto que nas grandes cidades que mencionei, normalmente, toda a população é pelo menos bilingue em  francês e inglês, já quando entramos no Québec profundo ou nas pequenas cidades do interior, a única língua em que se pode normalmente comunicar é o francês.
Para nós, que na escola portuguesa, aprendemos a conhecer o grande rio São Lourenço (maior via fluvial navegável do Mundo), ao chegarmos aqui em 1976, não estávamos minimamente preparados para o que viemos encontrar. É que 1976, foi precisamente o ano da primeira vitória eleitoral do partido independentista, Le Parti Québécois, cujo fundador e primeiro-ministro eleito na altura, René Levesque, é hoje venerado por todos. E se neste momento a opção independentista, não colhe o apoio da maioria da população, os dois referendos por que passámos em 1980 e 1995, resultaram numa perda de importância económica de Montreal, que perdeu o estatuto de grande Metrópole do Canadá para Toronto, que em 1976 era apenas uma grande cidade.  Mencionei o referendo de 1995, só para lembrar que a opção pró-Canadá venceu o mesmo por 50,5% contra 49,5% dos votos.  A cisão deste grande país nunca esteve tão perto, mas o custo seria alto de mais e penso que todos, temos hoje noção disso mesmo.  Actualmente o estatuto do Québec dentro da Confederação, está consignado, sendo os seus habitantes, os Québécois ( quebequenses) considerados uma Nação distinta dentro dum Canadá unido. Longe vão os tempos em que o povo do Québec, por efeito dos traumas resultantes da vitória dos  Ingleses comandados pelo General James Wolfe em Setembro de 1759 , na batalha da planície de Abraham,  às portas da cidade de Québec, sobre o general francês Louis –  Joseph de Montcalm,  sempre que um  anglófono se lhes dirigia e numa atitude de profunda  submissão  fazia das tripas coração para se exprimir em Inglês. Como  vão igualmente longe,  os tempos em que os postos de direcção das grandes  empresas do Québec ,  (creio que a única excepção,  foi sempre a Bombardier, fundada por um quebequense e que devido à existência do que poderiamos chamar,  uma golden-share familiar, manteve sempre um CEO francófono) eram anglófonos.  Hoje a única língua oficial da provincia é a língua francesa, ainda que  todos os funcionários do Governo Provincial, que estão em contacto com a população sejam no mínimo  bilingues.
Já que utilisei a expressão Governo Provincial, aproveito para dizer que no Canadá, cada provincia goza de uma autonomia muito grande, que vai desde a gestão da Saúde,  até no caso do Québec, à gestão dos seus próprios impostos, apesar de, um pouco como na União Europeia, existir um sistema de transferência de fundos das provincias mais ricas, como Alberta com o seu petróleo obtido a partir das areias betuminosas,  para as mais pobres, o que faz com que praticamente toda a população do Canadá beneficie dum nível de vida semelhante, quer habite numa das 10 provincias, seja  na costa do Pacífico na Colômbia Britânica, nas pradarias de Saskatchewan, apelidada de Celeiro do Mundo,  Alberta ou Manitoba,  no centro no Ontário, ou na mais extensa, no Québec, ou  na Costa Leste , naquela onde existe a segunda maior colónia de francófonos, do Novo-Brunswick,  na da  Nova Escócia, cuja capital Halifax é um dos mais importantes portos do país, ou  nas pequenas Ilhas do Atlântico, Terra Nova ou do Principe Eduardo, ou ainda num dos 3 territórios du Yukon, do Noroeste ou do Nunavut .
Em consequência disto, qualquer estrangeiro que viaje pelo   interior do País ou se passeie pelas grandes cidades nunca encontrará  as  assimetrias que constata nas cidades dos EUA, e este á um activo do qual todos os canadianos são muito orgulhosos.
É claro que tudo isto é conseguido através de impostos muito altos, e um sistema fiscal que funciona razoavelmente. E digo razoavelmente, pois  o sistema fiscal que funciona na perfeição ainda não foi criado, e duvido que alguma vez o seja!
Depois destas duas crónicas iniciais que definiremos como de introdução, tentaremos na próxima semana fazer uma análise da emigração em geral para o Canadá, para apenas depois nos debruçarmos sobre a chegada dos primeiros portugueses a estas terras, e do seu contributo para o desenvolvimento deste grande país, o Canadá.

J.L. Reboleira Alexandre