No tempo da «estrada de macadame» nunca calhou eu chegar ao Formigal. Mesmo para ir às Antas e ao Zambujal visitar a minha família do lado do meu pai, os caminhos eram maus, eu ia de burro e os meus pais a pé. Tinha apenas uma vaga ideia do lugar. O meu avô materno, infatigável carpinteiro de madeiramentos de casas e adegas, conheceu bem estes lugares (Casal da Areia, Casais da Ponte, Infantes, Torre, Malasia) de onde chegava todo suado à noite com a caixa da ferramenta às costas.
O livro «Salir d´ Outrora» de Carlos Marques Querido, edição da «PH Estudos e Documentos» com diversas crónicas publicadas na «Gazeta das Caldas», tem um texto sobre o Morgado do Formigal. Trata-se de Gaspar Garcês que, em 12-5-1630, viúvo de Francisca do Carvalhal e com vários filhos falecidos, deixou expressa a sua vontade de instituir um «Morgado» na pessoa de seu neto Manuel Garcês para a Quinta do Formigal. Embora não pareça, tudo isto tem a ver com a gente de agora, comigo e com o leitor desta crónica. De facto no testamento está escrito: «a pessoa que entrar neste meu Morgado por qualquer via que for, será mais obrigada a conservar sempre em pé (…) com muita diligência, a Ermida de Nossa Senhora da Piedade que fiz e tenho na dita Quinta do Formigal e com concerto decente para se dizer missa nela como hoje se diz e por dia de Nossa Senhora que é a oito de Setembro e seu orago, a mandar dizer uma missa pelo menos rezada e levarei muito gosto de ser cantada pelas almas dos nosso defuntos».
Em 1827 o senhor José Gonçalves Barbosa, proprietário da Quinta do Formigal, faz um testamento a seu irmão e estabelece a sua obrigação de dar todos os anos duas moedas de quatro mil e oitocentos réis ao seu Capelão que vivia no Casal da Areia. Em contrapartida o dito Capelão celebrava as missas alternadamente, domingo a domingo, na Ermida de Nossa Senhora da Piedade (Formigal) e na Ermida de Nossa Senhora das Necessidades (Casal da Areia).
Um breve passeio no passado mês de Novembro ao local onde (ainda…) resiste a Capela de Nossas Senhora da Piedade, veio trazer ao meu espírito uma indignação desenfreada contra os poderes culturais da minha e nossa região. E nem quero saber se os ditos poderes são os da freguesia, do município ou do distrito, se são os religiosos ou civis, se dependem deste ou daquele ministério. A Capela do Formigal tem um painel de azulejos no altar que em qualquer país civilizado já estaria a bom recato. Mas não se trata apenas do conjunto de belos azulejos com a garça, símbolo da família dos Garcês, trata-se de uma porta de entrada caída no chão, de um espaço completamente ao abandono, de lixo acumulado no pavimento de pedra onde repousam antepassados nossos, de um sino que desapareceu, de uma bela paisagem invadida pelas árvores que não param de crescer. Penso que nada tem sido feito (apesar dos alertas público como as crónicas do Doutor Carlos Querido) pela simples razão de que a Capela do Formigal não dá votos. Infelizmente quem nos governa (e desgoverna) pensa sempre em efeitos eleitorais e uma Capela abandonada ali no Formigal, embora seja uma vergonha para um qualquer «doutor» em campanha eleitoral quando por lá passa em caravana, não se reflecte na sua diária prática de autarca ou governante. E mesmo quem se movimenta na área da dita «cultura» gosta mais do barulho das pandeiretas ou do sabor das tasquinhas. Dizem que tudo é «cultura» mas não é assim. Haja alguém que se chegue à frente, por favor!
José do Carmo Francisco