A Falta de liquidez da tesouraria municipal

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Na edição da Gazeta das Caldas, do dia 30 de Abril, foi publicado o relato daquilo que se terá passado na reunião da Assembleia Municipal, merecendo especial destaque a notícia da falta de liquidez da tesouraria para proceder aos pagamentos das facturas dos seus fornecedores, mas também das senhas de presença dos membros da Assembleia Municipal, e as hipotéticas razões que levaram a tal situação.
A notícia traduz um retrocesso para o dia 1 de Outubro de 1984, data da minha posse, como chefe de secretaria da Câmara Municipal Caldense, em que a tesouraria padecia de mal idêntico, o que não era novidade para mim, porquanto já me tinha deparado com igual situação, no mesmo dia do ano de 1979, na Câmara Municipal da Lourinhã.
Em ambas as câmaras municipais após a tomada de posse tomei contacto com a realidade, tendo constatado a existência de uma autêntica anarquia na realização das despesas, da existência de largos milhares de contos de dívidas aos empreiteiros e fornecedores, e uma situação complexa de tesouraria, que me causava preocupações constantes, mais relevantes quando se aproximava o dia em que os vencimentos teriam que ser pagos.
Implementados procedimentos rigorosos de controlo, as situações foram-se alterando ao ponto de se obterem resultados altamente positivos, com pagamentos em dia, e com depósitos a prazo. Na Lourinhã, quando de lá saí, a tesouraria era detentora de 80.000 contos a prazo; no terceiro ano, após a minha chegada às Caldas da Rainha, a câmara municipal dispunha de 400.000 contos a prazo. Perguntar-me-ão: para onde ia o dinheiro? Direi: que cada leitor tire as suas ilações!
Quando o actual presidente da Câmara tomou posse, perante uma autarquia já com uma situação financeira equilibrada e com os pagamentos em dia, avocou publicamente o mérito para si, quando de facto tal mérito pertencia não só ao autor desta, como ao anterior executivo que, se numa primeira fase mostrou alguma resistência à política financeira, ao nível das despesas, imposta pelo responsável administrativo e financeiro, após se aperceber de que o rumo apontado era o adequado, o apoiou fortemente. Mas pode compreender-se tal avocação do actual presidente, sobretudo quando o mesmo propala nos meios de comunicação social de que “…se não fosse mentiroso não seria presidente da câmara…, para poder brilhar perante os eleitores, porque quanto ao mérito nada tinha.
Como eventuais razões do descalabro financeiro e económico municipal, podem apontar-se o seguinte: Quem esteja atento e tenha algum conhecimento do “interior” municipal apercebe-se, sem grande esforço, de que a gestão não só é danosa como ruinosa. Olhe-se para algumas das obras municipais traduzindo uma enorme falta de senso e de racionalidade, ao nível de custos, de encargos financeiros e de utilidade; vejam-se as festas e espectáculos, quando se vive um clima de crise; atente-se nas viagens; pense-se no número elevado de reuniões da Assembleia Municipal, em cada uma das sessões daquele órgão, os encargos que daí emergem e a produtividade das mesmas; repare-se na utilização de veículos e máquinas municipais; analise-se a quantidade de pessoas, na maioria jovens, que, por volta do meio-dia e trinta minutos, saem do edifício dos Paços do Município, mais parecendo este uma creche ou uma fábrica do que um serviço público!
E, para que os munícipes possam ponderar melhor a situação vou relatar o seguinte: há algum tempo foi realizada uma audiência de discussão e julgamento no Tribunal Judicial local, na qual era arguido um cidadão caldense e assistente um colaborador do actual presidente da Câmara municipal, que declarou exercer as funções de administrador dos serviços municipalizados. Durante o interrogatório constatou-se que o colaborador era detentor, segundo ele, do sexto ano do ensino obrigatório. Um espanto, dirão! Pois de facto é um espanto, porque ninguém pode exercer funções públicas sem o 9.º ano da escolaridade, habilitações mínimas para os lugares inferiores da Administração Pública, porque para administrador, certamente, uma licenciatura e mais algum requisito! Este facto é a demonstração inequívoca do abuso na utilização dos dinheiros públicos municipais, cometido por quem tem o estrito dever de respeitar o primado da legalidade. Pergunto: quantos mais estarão nas mesmas condições?
Com este exemplo, poderemos aferir da restante gestão e apercebermo-nos das razões da existência de um deficit de tesouraria.
Não deixa de ser paradoxal que o Estado, em toda a sua plenitude, esteja cada vez mais pobre, que os cidadãos estejam cada vez em pior situação económica e financeira, e que quem desempenha cargos públicos e políticos cada vez esteja mais rico.
Há que exigir responsabilidades a quem gere dinheiros públicos como se deles fossem, e que estão a conduzir o país ao estado calamitoso em que já se encontra, e não é depois de estarmos no fundo que importa pedir contas aos responsáveis (ou
irresponsáveis).
Era bom que o povo começasse a acordar, porque se o não fizer pagará cara a amnésia.
Um bem-haja pela atenção.

José Salvado