Sobre o Parque das Caldas escrevia António Ferro no ano de 1924: «… é o coração da vila. É a maior cavacaria da terra, o grande cavaco das Caldas… De manhã até à noite conversa-se, conversa-se muito, conversa-se sempre… Sentadas junto ao lago e junto à patinagem, as senhoras entretêm-se a costurar e a fingir que não olham quem passa…».
Das crónicas antigas chegam-nos ecos e aromas das animadas noites de S. João: a música da Filarmónica Caldense no velho coreto; as melodias dos ocarinistas nos botes iluminados à veneziana no lago; os bailes no Clube; as bancas de venda de caldo verde e sardinhas assadas; o mar de gente que passeia pela longa avenida entre o Céu de Vidro e o Lisbonense. Tudo misturado com memórias mais recentes, da infância e da adolescência, nas árvores, na relva, no espaço onde ruiu o velho Salão Ibéria das matinées com filmes do John Wayne.
O Parque perdeu a magia? Porque é que o caldense, que dele guarda tão gratas memórias de infância, raramente o frequenta? A cidade vive de costas para o seu jardim, por razões geográficas? Porque se esqueceu dele? Por ter perdido centralidade? Por se ter tornado periférico?
Há cidades com jardins abertos, sem fronteiras, percursos alternativos ao trânsito poluidor, locais de presença e de passagem sem obstáculos, como se a cidade abraçasse as árvores e as plantas por onde respira.
Nas Caldas, entre a cidade e o seu Parque há muros: opacos, excessivos, marcação do território da jurisdição do antigo Hospital, fronteira entre o imenso poder senhorial, feito de rendas e de privilégios e a pobreza franciscana do município. Esta diferença entre os dois poderes que tantas vezes se confrontam na história da vila, justifica o paradoxo de ter sido o Provedor do Hospital a pagar integralmente, no ano de 1532, os seis mil réis que custou o pelourinho, instrumento de aplicação da justiça e de afirmação de autoridade e de autonomia do concelho.
O Parque era pertença do Hospital. Quando a noite chegava, os zelosos guardas fechavam os pesados portões e a cidade dormia lá fora. Mas, amanhecidos os dias, abertos os portões, a cidade voltava a entrar por ali dentro. Entretanto, perdeu-se o hábito de nos perdermos no Parque.
Após a sua aquisição temporária, a Autarquia tem feito um notável esforço para reconciliar os caldenses com o seu Parque, nomeadamente através de eventos que ali deslocam milhares de pessoas. Mas é diferente: vão fruir o evento e não as árvores, as flores, o lago, aquele espaço tranquilo de memórias e de sombras refrescantes.
Para o caldense, o Parque é um lugar de memórias felizes: dos baloiços e escorregas; das pequenas bicicletas; dos passeios de barco no lago. No entanto, é no Shopping, ali ao lado, que erram massivamente, entre montras ruidosas, anúncios e escadas rolantes. Errância que é uma oportunidade perdida, nas tardes amenas, com o Parque deserto.
Regressamos sempre aos lugares onde fomos felizes.
Os caldenses hão de regressar um dia ao seu Parque.
Carlos Querido