Alberto Costa
advogado
A mensagem aqui passada da última vez sob um título afugentador («Sibi imputet») suscitou várias reacções entre leitores amigos ligados ao tema. Dalguns que ensinam direito vieram convergências. Um embaixador lamentou «sans ambages» que os procuradores não tivessem sido tratados como funcionários, recordando que o Tribunal Constitucional os não equiparou em 2008 aos juízes. E uma magistrada do MP fez-me subtilmente saber que não comentaria por estar sobrecarregada de trabalho e não querer pôr em crise uma amizade antiga…
Mas a reacção mais criativa veio de um amigo que, em visita à lagoa – cujos pôres do sol lhe «encaminho» de vez em quando – me ofereceu um livro. «Aqui está alguém que, mais de um ano antes de iniciar funções de PM, já tinha uma orientação clara sobre esses assuntos…» – foi o que me disse para recomendar a leitura. O livro chama-se «Mudar» e foi publicado em 2010 por Pedro Passos Coelho. Fui depois verificar – e confere.
Nas «escolhas» dedicadas à justiça, o anterior PM pronuncia-se sobre a investigação criminal e os poderes do PGR. Contrariando a célebre frase de quem exercia então em funções – que comparava os seus poderes aos da rainha de Inglaterra – alegava que «este último viu reforçados os seus poderes sobre os magistrados do MP, a quem pertence a condução da investigação, podendo, removê-los ou condicioná-los». E passava a acentuar as vantagens de atribuir a direcção da investigação a um juiz, rematando: a jurisdicionalização da investigação criminal permitiria «garantir uma maior independência e uma menor propensão à sua manipulação» (sic). Era essa, com nitidez, a sua «escolha».
Confesso que nunca tinha visto o livro e esfreguei os olhos. Escaparia ao futuro PM o alcance «transformacional» dessa opção? Nada crível. O presidente do Supremo da época defendera anos sucessivos tese semelhante e fizera-o até em recente entrevista ao «Público», que levava o inequívoco título «Investigação devia caber aos juízes de instrução». Seria Passos Coelho, nessa altura, defensor do regresso ao originário desígnio constitucional, sem dúvida jurisdicionalizante, abandonado no tempo de Cavaco?
Só não vale a pena aprofundar a interrogação porque tudo se resolveu com grande facilidade. Passos Coelho assumiu as funções de PM no ano seguinte e ocupou-as durante mais de quatro anos. Pura e simplesmente pôs de lado a «escolha» antes anunciada: um partido de hoje diria sem hesitar que tinha «mentido». Não sabemos bem quando o fez. Nem o que àcerca dela terá pensado quando viu o «seu» MAI Miguel Macedo demitir-se invocando «falta de autoridade política para o exercício do cargo», ser depois destruído por violações impunes do segredo de justiça… e mais tarde absolvido por 3 juízes.
Temos todos presente como se interrompeu em novembro o consulado que se seguiu ao de Passos: iremos ter em breve «apenas» o segundo PM depois dele. Arriscará algum dos candidatos atravessar-se agora sobre o tema, como ele fez? Ou no espaço de dois PMs ele adquiriu o estatuto de inabordável? ■ vistodafoz@gmail.com