À margem da inauguração da exposição do ceramista caldense Armando Correia, patente no Museu da Cerâmica, veio à liça o tema na ordem do dia, face à vontade do governo em “delegar competências” na Câmara Municipal. Esta questão levanta sempre um conflito de interesses Estado / Câmaras e entre o empurrar e enjeitar de responsabilidades, há um património que fica por cuidar e por vezes em degradação irremediável.
É o caso do Museu da Cerâmica e para cuja manutenção, o Estado central tarda em disponibilizar verbas. Quem quiser perceber, é evidente que aquele património é ignorado e desprezado e não há intenção de o manter. Tanto mais que esta postura da tutela não é de agora e verdade seja dita, é assim com este governo, foi com o anterior e será com o próximo.
Perante este cenário, tem havido, penso que generalizado e consensual, um posicionamento contra essa delegação de competências. Confesso que eu próprio também já tive essa perspetiva.
Mas por vezes é preciso parar para pensar.
É que nós já vimos este “filme” e aí está o grande problema. Foi exatamente assim com o Hospital Termal, em que o Estado central desinvestiu, ignorou, desprezou. O Município assobiou para o ar, fez de conta que não era nada connosco e o resultado é o que se sabe. Entre degradação e encerramento definitivo, já lá vão mais de vinte anos. Um prejuízo incalculável e irrecuperável, para a cidade e para os caldenses.
Mas no Museu da Cerâmica, ao problema da manutenção, junta-se a necessidade da sua expansão, uma vez que existe um legado e um espólio de milhares de peças, de diversos artistas, fábricas e colecionadores, armazenadas algures, sem que possam ser exibidas ao público.
Vamos ser claros, temos um problema de sobrevivência futura do Museu da Cerâmica.
Discutir se concordamos, ou não, com a passagem do Museu para a alçada do Município, não pode ser feito na base de ideologias, ou na desconfiança relativamente à capacidade do Município para gerir aquele património, fatores que estão na origem do tal consenso existente na sociedade caldense, sobre a não entrega do Museu.
Esperar que outros tomem conta e cuidem do que é nosso, é um vício por cá, mas é irresponsável.
Claro que há razões para que se desconfie da capacidade do Município. Antes de mais, era preciso definir e assumir inequivocamente o que somos e queremos objetivamente, em matéria de cerâmica. Se é que queremos alguma coisa. De facto e face ao percurso recente, o que transparece é pouco mais que nada.
Porque não basta pertencermos a uma tal Associação de Cidades Cerâmicas, no âmbito da qual têm sido feitas por aí umas reuniões e uns retratos, mas de concreto e objetivamente, aguardamos pacientemente, a ver para que serve. É mera simbologia de faz de conta.
Ou, por exemplo, por onde anda uma tal “Festa da Cerâmica”, há dois anos anunciada com pompa e circunstância, com um orçamento previsto de um milhão de euros e que até agora tropeçou numas exposições, numas conferências e na edição de uns livros e ficamos por aí. De concreto com vista ao futuro, nada de nada. Terá sucumbido de raquitismo, depois de programas tão avantajados e obesos.
No meio de tudo isto, aqueles que efetivamente fazem com que sejamos uma cidade de cerâmica e são de facto importantes, estão por aí à deriva, sem que alguém perceba que são eles, só eles e mais ninguém para além deles, que fazem a dita “cidade”. Os outros, são os retóricos tomadores de boleia, de ego empanturrado, quais elementos decorativos em sessões fotográficas.
Os verdadeiros protagonistas são as fábricas, de maior e menor dimensão, que resistiram e sobrevivem só elas sabem como e são os ceramistas que dão o corpo às balas, com o seu talento, vontade e esforço, sem que alguém perca um momento a dar a conhecer, ao menos onde estão e o que fazem, para sobreviver na tal cidade que os ignora. Sem eles, não há cidade de cerâmica.
De tal forma, que quem chega a estas paragens, nem sabe que a cerâmica existe, porque não há nada que lhes indique onde está ela e os ceramistas.
São estas coisas, ou a falta delas, que nos fazem desconfiar das capacidades do Município para assumir, como em minha opinião deve, a responsabilidade do Museu da Cerâmica, para que amanhã, perante o seu encerramento, não andemos por aí a enjeitar culpas, que efetivamente são nossas e não de outrem.
Na cerâmica, tal como no termalismo.
Haver ou não dinheiro, é a tal questão das prioridades e opções.
Assumir responsabilidades, é tempo e impõe-se.
Rui Gonçalves