Vivemos num país em que as decisões políticas já não nos surpreendem. Ainda agora a estupefacção é geral perante a bizarra decisão de colocar o Novo Hospital do Oeste (NHO) no Bombarral, concelho que o EUROSTAT classifica como Rural, que todas freguesias são classificadas como “DEGURBA Cat 3” e que por isso não podem concorrer a determinado tipo de fundos comunitários na área urbana. Será que os Fundos Comunitários apoiarão a sua construção? Quem sabe! Sem eles o NHO é uma miragem. Numa decisão que contraria o PROT – Plano Regional de Ordenamento do Território de Lisboa e Vale do Tejo, que prevê explicitamente que “A localização dos equipamentos de nível supra-municipal e regional deve reforçar a oferta de serviços e funções urbanas prestados pelas centralidades identificadas no PROT”, o que no Oeste só pode significar Torres Vedras ou Caldas da Rainha. Estaremos perante um novo caso de “a lei não nos agrada, mude-se a lei.” Para que se possa construir o NHO naquele espaço, quantas leis e instrumentos de ordenamento territorial terão de sofrer alterações? O PDM? O PROT? E que outros? E o parecer ambiental? E a desafectação de zonas de RAN, Reserva Agricola Nacional e de REN, Reserva Ecológica Nacional? Estas classificações são só para quando dá jeito? Quanto tempo demoram estes procedimentos? E quando estiver legitimada esta solução a “régua e esquadro”, que não teve em conta as necessidades de transportes, o número de utentes a deslocar e o número de territórios do oeste que vão usufruir do equipamento, e for preciso outro equipamento noutra região do país, vamos continuar a construir grandes equipamentos sociais contrariando aquelas que são as recomendações europeias em termos de desenvolvimento urbano.
De momento são mais as perguntas que as respostas. O anúncio do ministro, sem o devido suporte de uma resolução tomada em reunião do Conselho de Ministros, é uma declaração de intenções sem grande significado, que pode ser mudada com a alteração do titular da pasta a saúde, à semelhança do Aeroporto do Montijo. Senão vejamos: Porque é que o ministro anuncia uma decisão, perante todos os instrumentos de planeamento, manifestamente ilegal? Quererá construir efectivamente o hospital? Espera que uma eventual divisão dos territórios arraste o processo e o faça perecer? Ou quererá mesmo construir o NHO no Bombarral, no meio da paisagem rural e bucólica do Oeste rodeado de vinhas e pomares, e promover um novo “elefante branco”. Ao anunciar uma má decisão mais parece que a intenção do governante é semear a confusão e adiar a efectiva resposta que os mais de 300 mil Oestinos tanto anseiam à décadas. Com a ausência de compreensão técnica-jurídica desta decisão, parece que a mesma resulta apenas da ponderação politico-partidária, com o governo do PS a privilegiar a sua geografia eleitoral, que sendo uma escolha da maioria política é contrária aos interesses colectivos da maioria social. Uma pergunta extremamente importante para o processo de decisão e para a qual se deve exigir resposta é, “porque razão a Câmara Municipal de Torres Vedras e a sua população dispensam o Hospital que existe no seu território, tendo de se deslocar ao Bombarral?”. Não sei a resposta, mas talvez seja porque dias antes da divulgação da decisão ouve uma reunião entre o Município de Torres Vedras, a Secretária de Estado da Promoção da Saúde, a Ministra da Coesão Territorial, a Ministra da Tecnologia e do Ensino Superior e do Secretário de Estado da Administração Local (anterior Presidente da CM) onde foi decidido atribuir a Torres Vedras o Campus da Saúde e mais de 5 milhões de euros para a construção de duas novas unidades locais de saúde. Coincidências!
Agora é o tempo do Oeste Norte se confrontar com a realidade, de contestar em todas as instâncias, legais e administrativas, esta decisão errada, sem deixar no entanto de pensar, em paralelo e em simultâneo, como se vai reorganizar neste possível cenário e como se vai tornar uma (sub)região interessante e competente nesta área da saúde, tão importante e tão valorizada pelas populações.
A realidade é o que é, e mesmo que o NHO venha a ser construído no Bombarral, não é por isso que Caldas da Rainha e os concelhos limítrofes devem e podem ficar sem oferta na saúde. Esta é a altura certa para lançar um debate público e apresentar ao Ministério da Saúde um diagnóstico profundo e exaustivo dos problemas existentes nos cuidados de saúde, que não têm tido da parte das instituições com responsabilidades nesta matéria a devida atenção que merecem.
Com o progressivo envelhecimento da população, resultante do aumento da esperança média de vida da população, resultado da evolução dos cuidados médicos em geral, as necessidades de saúde ampliam-se numa exigência mais alargada e mais complexa de cuidados, que reforça a necessidade de oferta de outras unidades com vocações distintas e complementares nos cuidados de saúde, pelo que a primeira exigência dos políticos locais deve ser a reconversão da atual unidade hospitalar em unidade de cuidados complementares ao hospital de agudos (cuidados continuados, ou paliativos, centros de diagnóstico, cuidados de reabilitação, etc).
Ainda na perspectiva dos cuidados de saúde complementares e numa perspectiva holística da medicina contemporânea, Caldas da Rainha não pode esquecer o seu património termal, ao contrário, deve olhar para esta realidade como recurso e sobretudo como potencial de desenvolvimento, até numa perspectiva turística. Se até 1996, as termas recebiam por ano cerca de 10 000 aquistas, isso significa que esse potencial está lá, que é real, e que pode ser alcançável. Será difícil? Certamente que sim. Mas não é impossível. Que se faça todo o benchmarking necessário, aqui como noutras estâncias, e que dai resulte um plano estratégico, com objectivos definidos e mensuráveis; que se defina um plano de acção; que se estabeleça um programa de marketing que num horizonte de alguns anos reponha as Caldas da Rainha entre os principais destinos termais do país e, porque não, da Europa. Haja ambição. Haja criatividade. Recuperar e relançar as termas é regressar efectivamente à matriz medicinal identitária da cidade. Este é o segundo eixo essencial de resposta à (pseudo)solução Bombarral. As termas são a saúde das Caldas da Rainha.
O SNS é o pilar central e indispensável da saúde em Portugal. Perante o desinvestimento no SNS nas últimas décadas, em termos de colaboradores, de instalações e de equipamentos de diagnóstico, os prestadores privados e sociais tornaram-se essenciais ao funcionamento geral da saúde em Portugal, passando de complementares a, em muitas circunstâncias, primeira resposta e eleita como prioritária por largas franjas da população, empurrada para os seguros de saúde pela políticas seguidas de desnatação do SNS, nomeadamente no atraso de resposta a soluções programadas. Não ignorando esta realidade, a autarquia local que até tem a felicidade de contar com um potencial parceiro da vertente social com o histórico e o prestigio do Montepio Rainha D. Leonor, deveria também encetar um dialogo com esta instituição de modo a saber como potenciar os serviços médicos junto da população, nomeadamente tentando perceber o que tem atrasado o arranque do prometido novo hospital desta instituição nas antigas instalações da EDP, na entrada sul da cidade, cuja aquisição já não é assim tão recente, e cujo atraso era importante perceber e contrariar. E se esta instituição estiver em condições insuperáveis, coisa que nos custa a acreditar, há-de haver maneira de interessar outros operadores pelo exercício da saúde nesta zona do país.
Como estamos, com tendência a piorar nos próximos anos, é que não podemos continuar. Se o hospital for mesmo construído no Bombarral, até lá não haverá investimento significativo nas actuais unidades. Se agora as resposta já são escassas e os médicos insuficientes, dificilmente virão a melhorar até termos o NHO. Caldas da Rainha é neste momento uma das piores zonas do país em respostas de saúde. Não temos oferta pública de qualidade, nem oferta privada ou social em qualidade e escala adequadas. Esta é uma realidade difícil de explicitar. Mas é a realidade. E é assim que tem de ser enfrentada.
Alexandre Ferreira
*Tema Volta por Cima, de Paulo Vanzolini