“O meu voto não muda nada”, ouvimos dito por aí, frases soltas sem nexo, sem causas.
Está assim tão longe o tempo da ditadura, e o tempo em que as mulheres não podiam votar?
A cada eleição interrogo-me sobre as taxas crescentes de abstenção. Cresci com a vontade de ir votar quando tivesse 18 anos. Aos olhos de uma menina, os adultos ficavam tão importantes quando iam votar, levavam mesmo as suas melhores roupas. Cochichavam com os amigos secretamente quando votavam em algum partido inesperado. As famílias iam para o sofá, às 20h00 ver o resultado, se tinham apostado no “cavalo” certo. E divagar sobre o futuro dali para a frente. Olhos cravados de esperança, outros de lágrimas, discursos bem polidos e respeito por um Portugal a (re)nascer. Políticos de P grande ganharam eleições neste país, fizeram história, dividiram opiniões, mobilizaram gerações.
Agora, temos gerações móveis, que não se fixam a nada, nem se dão ao trabalho de lá ir.
Votar é um dever cívico, mas mais que isso, é uma dádiva. É um presente de liberdade.
E esta liberdade que tantos suspiram lhes ter sido roubada com à covid-19, e que não exercem? Ir votar é um ato de orgulho e de cidadania. É levar um cravo ao peito, pregado com honra, memória, imensidão e reconhecimento.
Podemos não querer votar em ninguém, mas vamos lá, vamos lá expressar-nos, mandá-los bugiar, mostrar o silêncio do nosso descontentamento, mas vamos. Não ficamos no sofá. Ou noutro sítio qualquer.
Ainda não temos voto eletrónico, mas temos voto antecipado. Não precisamos de ir 3 horas de comboio mais 50 minutos às curvas para ir à terra votar, e de caminho trazer uns aconchegos, enchidos e abraços da família. À distância de um clique.
Quase quatro milhões, sim 3.908.685 portugueses não foram votar.
Mas em Bragança 15 votos fizeram a diferença, tirando um deputado ao PSD e trocando pelo PS. 15 votos. Um bairro, uma família, um grupo de amigos. Será que de facto vamos a algum lado se os quase 4 milhões de portugueses acharem que não vale a pena ir votar. Dos 65 mil que foram votar em Bragança, apenas 15 viraram o resultado. E se estes 3.908.685 tivessem ido votar, qual seria o resultado? Estes quase 4 milhões de portugueses não quererão saber do futuro? Desperdiçaram a oportunidade de se expressar.
A abstenção baixou (42% face a 45,5% nas últimas legislativas de 2019- números apenas dos residentes em Portugal), mas ainda foi a terceira mais elevada de sempre. Presumo que para tal facto contribuíram os tais eleitores do voto útil, que descalçaram as pantufas, escolheram o seu melhor casaco e foram votar. Mas mesmo assim, 3.908.685 não foram.
O que diz este número de nós, portugueses, do nosso Portugal de rendas ao peito, vozes abençoadas por xailes negros, craques de futebol imortais, heróis do mar de outros tempos, mas agora sem voz?
A vocês, dos 3.908.685, os que deliberadamente não foram votar, pergunto-vos porquê?
E devemos sempre começar pelos porquês. Como diz o Simon Sinek. ■