Linha do Oeste – A realidade? Qual realidade?

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Foi com o mais vivo interesse, e, naturalmente, com alguma honra, que tivemos conhecimento do texto do Professor Nuno Moreira publicado no último número da Gazeta das Caldas, o qual, tendo como mote o relatório que elaborámos sobre a linha do Oeste, anunciava transmitir “a realidade” sobre aquela linha.
E o nosso interesse era justificado na medida em que, sendo o Professor Nuno Moreira o mais antigo membro da Administração da CP em funções, não podendo obviamente responder pelos 20 anos de serviço na linha do Oeste que o estudo analisa, poderia seguramente responder pelas opções de gestão do operador ferroviário desde o ano de 2006.
Declarou o Prof. Nuno Moreira ir fazer alguns comentários ao trabalho que realizámos “para que não se transmita a ideia da sua verdade absoluta”.  Ficamos satisfeitos por nesta frase estar subjacente que, pelo menos, lhe é reconhecida alguma verdade.
Verdade de que ninguém é dono e, como tal, embora firmemente comprometidos com todo o conteúdo do trabalho que elaborámos, admitimos ainda assim que a análise feita possa padecer de vícios ou pressupostos erróneos, decorrentes da nossa posição enquanto observadores externos à empresa ferroviária, posição acentuada por não nos ter sido facultado o acesso a todos os dados solicitados ao operador ferroviário. Consequentemente, era com genuína expectativa que esperávamos conhecer a visão “do outro lado”, esclarecida e detentora do conhecimento que só o operador do serviço pode ter, ou mesmo, a revelação de constrangimentos internos inultrapassáveis que impedissem o operador de prestar um melhor serviço.No entanto, admitimos que por insuficiência nossa, não foi isto que encontramos no escrito publicado na Gazeta da passada semana.
Vejamos então, ponto por ponto, os principais aspectos focados pelo Prof. Nuno Moreira:

1- Sobre a criação de dois comboios para Coimbra em 2006 e a sua redução para um único em Dezembro de 2009: Em ponto algum do Relatório é minorada a criação pela CP, em finais de 2006, dos dois comboios para Coimbra, muito pelo contrário!  O que é criticada é a insuficiência quer do número de comboios, quer da implementação das medidas adicionais que foram anunciadas aquando da apresentação do serviço às autarquias.  Também é criticada a redução para um único comboio, ficando todos nós agora a saber que tal aconteceu porque, nas palavras do Administrador da CP, “a população não aderiu ao serviço oferecido não se tendo verificado aumento da procura”.  Não questionando sequer se os horários do serviço criado seriam ou não os mais adequados, sobre o alegado não aumento da procura, a nossa argumentação ficar-se-á pela apresentação do gráfico seguinte, elaborado a partir do simples tratamento sistemático dos únicos dados de procura efectiva facultados pela própria CP, os quais contrariam de forma evidente o que é afirmado pelo seu representante.

Fica evidente que entre 2005 e 2009 se regista um acréscimo de 12% no número de passageiros, valor este que, mal um dos comboios directos a Coimbra é suprimido em final de 2009, sofre imediatamente uma quebra de 3%, sendo interessante verificar que esta variação é, em valor absoluto, da responsabilidade dos passageiros com origem e destino em Coimbra, só que nestes a proporção da redução atinge os 11%.  Lamentamos não nos terem sido facultados dados completos para o período de 2000 a 2007, os quais permitiriam uma análise mais fina do efeito da criação de comboios para Coimbra.
Anote-se que o acréscimo significativo verificado enquanto duraram os dois comboios directos a Coimbra se registou apesar dos objectivos de ligações eficazes àquela cidade e à linha do Norte apenas muito modestamente se terem concretizado

2- A questão da estabilidade da oferta na linha:
Defende o Prof. Nuno Moreira que a estrutura do horário se manteve inalterada ao longo do tempo, apenas com ajustes para dar resposta às solicitações das entidades locais e clientes.  Desde já esclarecemos que a nossa análise teve em consideração o período dos últimos 20 anos, uma vez que, do lado do sistema ferroviário, a presente procura na linha do Oeste não é o resultado de três ou quatro anos de serviços, mas sim de pelo menos duas décadas de uma política comercial inconsistente, sendo que as figuras constantes do nosso relatório, sistematizando naquele período o número de comboios e respectivos tempos de percurso, são auto-explanatórias.
Mas, focando-nos apenas no período desde 2007, passar de dois comboios directos a Coimbra, para um só em 2010 – quando a procura estava a crescer, como acima ficou evidenciado – não nos parece suportar a afirmação de que a estrutura de horário se tem mantido inalterada.

3- Sobre a procura para Coimbra vs. Figueira da Foz:
Neste aspecto, confessamos que, seguramente por incapacidade nossa, não compreendemos o ponto de vista defendido, julgando que o ilustre arguente labora num equívoco em relação aos nossos pressupostos.
As estatísticas de mobilidade do INE referidas no relatório identificam nas deslocações entre o Oeste e o Norte a referida proporção de 80% para Coimbra/Aveiro e 20% para a Figueira da Foz, o que aliás é consistente com a sensibilidade empírica dos habitantes da região.  Ora, não questionando nós qual a capacidade de atracção da linha do Oeste face ao universo populacional da região, a qual depende de todos os factores referidos pelo Prof. Nuno Moreira e de outros ainda (atractividade esta que só um estudo de mobilidade e modelo de transportes poderia estimar com segurança), o que é certo é que seria um facto estatisticamente anómalo que aquela proporção não se aplicasse, ainda que grosso modo, ao universo da população dentro da área de influência do transporte ferroviário.  Por isso, nada pode levar a pensar que entre os 27,3% dos habitantes dos concelhos atravessados pela linha do Oeste que, segundo estudo da REFER, em 2001 residiam até 2 km daquela via, não se verifique a predominância da procura para Coimbra.
Admita-se, por absurdo e contra todas as evidências, que o mercado de Coimbra é da mesma ordem de grandeza do de Figueira da Foz; mesmo que assim fosse tal não nos parece justificação válida para décadas de um serviço ferroviário a ignorar o destino de Coimbra e boas ligações à linha do Norte naquela cidade.
Ainda sobre este aspecto, valerá a pena olhar para o serviço da Rede de Expressos, o qual, em relação aos destinos da região Oeste para Norte, privilegia de forma esmagadora o destino Coimbra.  Será que a população em torno dos terminais rodoviários tem hábitos de mobilidade assim tão diferentes daquela em torno das estações ferroviárias da linha do Oeste?

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4- Sobre a competitividade dos modos de transporte e sua capacidade de atracção: É verdade que as análises efectuadas no nosso trabalho à competitividade do transporte ferroviário ignoram as distâncias de e para as estações.  No entanto, tal metodologia aplica-se igualmente à análise feita para o transporte em autocarro, pelo que a comparação entre estes não fica afectada.  Portanto, quando muito podemos admitir que, em relação ao transporte individual, a competitividade de ambos os meios de transporte colectivo estará ligeiramente exagerada pelos factores referidos pelo Prof. Nuno Moreira.  Para tentar minimizar este efeito, os tempos de viagem calculados em automóvel foram-no sempre desde o epicentro entre a estação rodoviária e a ferroviária. Nalguns casos esta assumpção poderá ser penalizante, noutras poderá ser vantajosa e considerou-se que, para o objectivo que se pretendia demonstrar, era uma simplificação aceitável.
Como dizemos no Relatório que elaborámos, a única via racional para decidir seja o que for é através de um estudo de mobilidade de toda a região e da exploração de um adequado modelo de repartição modal.
No entanto, permitimos discordar frontalmente quanto à afirmação feita de que só usufrui do transporte ferroviário (inferindo-se que tal se aplicará também ao autocarro) quem reside até 1000 metros de uma estação, por permitir que a deslocação seja feita a pé. Tal é a negação da intermodalidade e se assim fosse a maioria dos comboios de longo ou médio curso em Portugal circulariam quase vazios, tal como os parques de estacionamento junto às estações. Para não falar dos efeitos decorrentes deste postulado na capacidade de atracção das estações intermédias da projectada linha de Alta Velocidade Lisboa-Porto…

5- Sobre a alegada excentricidade de Leiria em relação à linha do Oeste:
Se há uma década tal era verdade, actualmente não o é pois a cidade cresceu para a estação, colocando-a ligeiramente interior ao seu limite diametral, para além de estar plenamente integrada na rede viária e de transportes urbanos. Quem não conhecer bastará olhar para as imagens aéreas disponíveis na internet.  No entanto, sempre diremos que, seguramente, a estação de Leiria não é mais excêntrica em relação ao dito “centro” da cidade do que, digamos, Santarém, Évora ou Coimbra-B, estações servidas por uma consistente oferta ferroviária, com uma procura não negligenciável, e, em relação às quais, haverá a mesma questão das deslocações acessórias a efectuar pelos passageiros.  Quanto à tal “procura residual” que Leiria tem apresentado, fica-nos sempre a velha dúvida se a oferta é a que é por causa da procura ou se a procura é a que é por causa da oferta.

6- Quanto aos custos acrescidos de uma oferta focalizada em Coimbra: Contrariamente ao referido pelo Prof. Nuno Moreira, o nosso relatório não afirma que o desvio dos comboios para Coimbra é uma medida de custo nulo.  Na sua página 37 é claramente indicado que esta proposta representa um custo acrescido devido ao aumento do percurso dos comboios.  Este acréscimo de percurso é de cerca de 14% e, da análise que foi possível efectuar com os escassos dados a que se teve acesso, implica um aumento de custos de cerca de 10% em relação a 2010.
No entanto, e apesar do maior custo que a proposta feita efectivamente implica, estimamos que da sua implementação – após um período apropriado de captação e consolidação do mercado, que consideramos ser entre três a cinco anos – resulte um aumento de passageiros de 16% (anote-se que este aumento previsto não é nenhum valor extraordinário, quando entre 2005 e 2009, através de uma ligeira melhoria no serviço, o aumento registado foi de 11%). Daqui decorrerá uma redução de 5% no custo médio por passageiro e um aumento de 16% na receita devido ao aumento conjugado dos passageiros e, principalmente, do percurso médio por passageiro.
Não podemos admitir, sem mais justificação, a afirmação de que o serviço por nós proposto exija mais meios do que aqueles utilizados em 2010 – ano para o qual são públicos alguns valores de custos do operador, utilizados como base para a análise constante da versão final do relatório recentemente entregue ao seu promotor.
Na verdade, a partir de Dezembro de 2011, a CP passou a fazer o mesmo serviço com a utilização de menos duas unidades motoras, demonstrando assim que poderia já ter feito há muito esta optimização e reduzido os custos de exploração da linha. Da nossa análise, o serviço que propomos pode ser feito, no máximo, com os mesmos meios materiais e humanos de 2010. Portanto, é com reserva que lemos a afirmação de custos acrescidos neste domínio em relação à situação que serviu de referência e justificação para a supressão do serviço.

7- Sobre a sustentabilidade da linha: Neste aspecto é apresentada argumentação, no mínimo, surpreendente quando vinda de um Administrador de uma empresa ferroviária, ao se pretender que deva ser condição essencial para a sua existência que a linha do Oeste seja auto-sustentável unicamente através das receitas de bilheteira.  A realidade é que, pelo menos na Europa, a generalidade do serviço ferroviário regional ou de média distância não é sustentável sem subsidiação pública estatal ou regional, fundamentada no serviço público prestado, na importância do serviço ferroviário para a coesão territorial e nos benefícios externos (ambientais e sociais) que o fomento da utilização do transporte ferroviário propicia.  Tipicamente a subsidiação pública dos serviços ferroviários regionais e de média distância é da ordem de metade dos custos, podendo, por exemplo, chegar a 2/3 na Alemanha ou mesmo 75% em alguns serviços na França.
Que a questão de qual o grau de sustentabilidade do serviço ferroviário regional que o País está disposto a assumir não depende da transportadora ferroviária aceitamos plenamente, tanto mais que esta tem ao longo dos anos sido extremamente penalizada por não receber as devidas indemnizações compensatórias  pelo serviço público prestado.
No entanto, tendo o operador ferroviário a obrigação de fazer o seu melhor, captar o maior mercado possível e explorar todas as possibilidades de maximização e optimização dos seus meios de produção e da sua rede, com vista a procurar o menor custo por unidade de tráfego transportada e maximizar a taxa de cobertura do serviço, ainda assim, condicionar a sua manutenção à auto-sustentabilidade do mesmo é no mínimo estranho, e aqui concordamos plenamente com o Professor Nuno Moreira: é assunto que não compete à CP.


Por: Nelson Oliveira

*- autor do relatório sobre a linha do Oeste encomendado pela Câmara Municipal das Caldas da Rainha

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