Quando no dia 9 do passado mês de Março, falávamos aqui das razões que mantinham os estudantes do Ensino Superior e Colegial do Québec, numa greve geral, que na altura durava já há cerca de duas semanas, estávamos longe de imaginar que nos finais de Abril, numa altura em que por norma, a chamada Sessão Escolar de Inverno (esta vai de Janeiro a Maio, a outra, de Outono, vai de Agosto a Dezembro) termina, voltássemos ao tema.
Assim e pela primeira vez na história da nossa Província (logo aqui, onde a história é tão mal tratada), uma greve geral académica perdura há mais de 70 dias. Nas nossas velhas recordações das experiências do género em Portugal, quando frequentávamos os bancos da escola, normalmente as greves, com cavalaria (que nada tinha a ver com a Real Polícia Montada Canadiana), e polícia de choque à mistura, não ultrapassavam alguns dias, e circunscreviam-se a escolas específicas, nunca a toda a Academia. Depois de 25 de Abril de 1974, uma vez que saímos de Portugal em 1976, não pudemos, como é lógico, seguir atentamente todos os movimentos estudantis dos alunos lusitanos, mas duvidamos sinceramente, até pela falta de cultura democrática do povo português, que alguma greve académica fosse além dos «nossos» alguns dias. Se estamos equivocados, pedimos as nossas desculpas, mas não cremos!
Este é mais um dos elevados custos de viver numa democracia velha de várias gerações, onde os governos estão habituados a lidar com este tipo de situações, resultantes das lutas dos trabalhadores ou dos legítimos anseios da classe estudantil. A forças policiais estão no entanto, diariamente e em grande número nas ruas das nossas cidades, no sentido de evitar males maiores, como actos de vandalismo nos edifícios públicos, nas vitrinas dos nossos comércios, ou outros desmandos da autoria dos jovens adultos.
O nosso actual Primeiro Ministro (para quem está menos familiarizado com o funcionamento deste país, nunca é demais repetir que, o ensino, sendo de domínio provincial, é gerido a partir da cidade de Québec, capital da província, e não de Otava, capital do Canadá) velha raposa da política, ao não aceder desde o princípio da crise, aos pedidos dos estudantes, esperava obviamente que estes acabassem por se cansar, e, com o aproximar do final do ano lectivo, decidissem voltar às salas de aulas. Só que os estudantes, assembleia após assembleia, e através dum sistema de votos por braço no ar, numa época em que todos os jovens possuem computador pessoal e telefone celular, a inexistência de voto secreto acabou por causar algum receio nos alunos que, por diversas razões, se opõem a esta greve. As três organizações representativas da quase totalidade dos estudantes, podem assim, continuar a considerar as suas acções como sendo legítimas. É esta forma arcaica de votação, digna dos velhos partidos comunistas do século XIX, que coloca a maioria da população contra os dirigentes estudantis, e o governo, consciente disso, pouco ou nada tem feito para resolver o problema.
Neste momento, já se coloca a hipótese de, pura e simplesmente anular a sessão académica, pois o prolongamento da mesma para finais de Junho irá colidir com os direitos dos professores e outros funcionários, às férias de Verão. Para não falarmos dos custos astronómicos para todos nós, contribuintes, que tal ocasionaria, com todos os funcionários dos estabelecimentos de ensino a trabalharem em época normal de férias.
O Governo já deu no entanto alguns sinais de abertura, estando disposto a mudar alguns dos pressupostos inicialmente estabelecidos para o aumento gradual das propinas, que deveriam ser implementadas ao longo de cinco anos, prazo este que foi entretanto alargado para sete anos. Não foi no entanto o suficiente para que a organização estudantil mais radical, mostrasse disposição para aceitar a proposta da ministra da educação, que desde o início tem demonstrado alguma abertura, ao contrário do seu chefe, o Primeiro Ministro, que é reconhecido pela sua inflexibilidade negocial. Nesta altura está já, aliás, a dar alguns sinais de impaciência, e poderá eventualmente solicitar eleições gerais antecipadas na província, sabendo à priori que sairá delas com um governo consolidado, pois todas as previsões apontam no sentido de ser de novo o seu partido, o Partido Liberal do Québec, a ser chamado para governar, o que, a suceder, lhe daria um poder ainda mais forte.
A população duvida no entanto que isso resolva o quer que seja. É que depois de uma greve que já ninguém entende, e em que, hoje em dia as pessoas já não tentam perceber qual das partes tem ou não razão, se os estudantes, se o Governo. Hoje apenas todos se perguntam o porquê, de, após 11 longas semanas de greve geral académica ilimitada, com manifestações de rua quase diárias, esta situação se mantém, com a generalidade dos Campus Universitários da Província do Québec a viver na maior confusão, e em que é normal verem-se piquetes de greve à entrada de algumas escolas mais radicais, na sua habitual função de impedir a entrada de algum estudante mais afoito, no interior dos diversos estabelecimentos de ensino superior quebequenses.
J.L. Reboleira Alexandre
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