O barulho das luzes
Mesmo o mais catastrófico naufrágio deixa destroços sobre os quais, com engenho e arte, se podem fazer grandes coisas.
Vem isto a propósito do retumbante fiasco das iluminações do último Natal na nossa cidade.
O modelo seguido, ancorado no gigantismo de uma árvore, cuja novidade há muito se havia esgotado, e num plano pouco inovador que consistia em alterar os motivos representados, mas não o valor simbólico ou estético, deu os inevitáveis e confrangedores resultados que todos testemunhámos. Ao esgotamento do modelo, acresceu no passado Natal, o insucesso objectivo do projecto técnico, que cedo se percebeu iria resultar num enorme fracasso.
A cidade, nos últimos anos tem sabido recriar-se, numa óptica de modernidade, articulando motivos locais, com tendências contemporâneas, como é o caso da exposição de bicicletas decorativas, apenas para citar um exemplo, e que tanto impacto tem na dinâmica da cidade e tão bem colhe junto de residentes e visitantes, apesar do reduzido investimento e da simplicidade do projecto.
É por isso surpreendente que no caso das iluminações de Natal – provavelmente o momento mais alto de festividades na cidade – não tenha havido visão para inovar, projectando este evento numa perspectiva de modernidade.
Ora tal situação é tanto mais grave quanto se trata de um empreendimento que acarreta elevados encargos financeiros para a organização, que conta com dinheiros públicos, pelo que, ao insucesso no plano da concretização se junta um importante prejuízo financeiro.
Um breve olhar por cidades de maior dimensão e de muito maior relevância política, económica e cultural, dentro e fora do país, demonstra que existem opções muito mais interessantes, sejam elas de pendor tradicional, ou contemporâneo e que, pelo menos à primeira vista, não mostram padecer do sentido megalómano que as decorações de Caldas, com a extraordinária árvore à cabeça, vêm exibindo.
Basta olharmos para o município vizinho para percebermos que a simplicidade pode ser o elemento diferenciador que garante uma solução consensualmente eficaz. A verdade é que Óbidos tem sabido reeditar a solução encontrada com a inovação mínima necessária para evitar o cansaço de quem vê, sem defraudar as expectativas em relação a cada nova edição. A simplicidade pode repetir-se quase perpetuamente, o que não acontece com soluções excessivas e com tiques de espectáculo circense, que podem causar impacto uma vez, mas que se esgotam rapidamente.
Caldas conta, hoje, com um importante naipe de artistas residentes, sem esquecer a dinâmica no âmbito das artes gerado pela ESAD, cujo envolvimento na definição de uma estratégia nesta matéria poderia dar bons resultados, dispensando o recurso a empresas meramente comerciais e de qualidade duvidosa, e criar uma solução inovadora, diferenciadora e geradora de economia local.
Ora, voltando ao princípio, estará talvez na hora de Caldas olhar para os despojos de 2018 e estabelecer como desígnio para o ano de 2019 colocar a cidade de novo no mapa dos lugares a visitar na época de Natal, através de uma planificação antecipada e recorrendo à ‘prata da casa’ com vista a conferir ao projecto o grau de qualidade estética e o elemento inovador e diferenciador que a dimensão e relevância da cidade merecem.
Conceição Henriques
couto.henriques@gmail.com