No dia em que este livro foi apresentado por José Barreto no 7º andar do El Corte Inglés de Lisboa um grupo de estudantes (ul)trajados de preto passaram perto de uma esplanada no rés do chão desses armazéns. O cortejo era uma miserável amostra das chamadas «praxes académicas» e nem as mortes recentes (no Meco e em Braga) fizeram recuar o lixo humano que se manifesta deste modo reles, sujo e bacoco.
Este incidente liga-se com a realidade de outros estudantes, estes de 1923 e que, com Pedro Teotónio Pereira à frente, reagiam de capa e batina ao aparecimento daquilo a que eles chamavam «publicações escandalosas» – «Sodoma Divinizada» de Raul Leal, «Canções» de António Botto e «Decadência» de Judith Teixeira. Alguns jornais da época (O Século, A Época, A Capital) publicaram o manifesto da dita Liga de Acção dos Estudantes de Lisboa que, entre outras baboseiras, proclamava: «Nas nossas mãos brandimos o ferro em brasa que cicatriza as chagas». Dá uma ideia da perversão, do delírio e da loucura desta gente. Em 1923 como em 2014, tudo parece igual.
Este livro que demorou sete anos a preparar a Zetho Cunha Gonçalves (n.1960) tem nas suas 217 páginas muitos outros motivos de interesse: nele se juntam textos de Fernando Pessoa, Álvaro Maia, Raúl Leal, António Botto e Júlio Dantas (por exemplo) além de Pedro Teotónio Pereira e Marcelo Caetano (do outro lado da barricada). Um dos aspectos mais curiosos é ver como Júlio Dantas que foi atacado no «Manifesto» de José de Almada Negreiros aparece aqui como defensor da liberdade de expressão e completamente contra as fogueiras de livros que os ditos estudantes de Lisboa querem fazer no Governo Civil.
(Editora: Letra Livre, Concepção Gráfica: Rui Silva, Revisão: Andreia Baleiras)
José do Carmo Francisco