O 25 de Abril contado à minha neta Constança

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Olá, minha linda,
Hoje acordei com vontade de te contar uma história.
Nesta história não há fadas, nem príncipes e princesas com vestidos compridos cheios de brilhantes.
Nesta história há um povo e no meio dele, dois jovens, um homem e uma mulher, que tiveram a felicidade de viver os episódios que te irei narrar.
Mas toda a história tem de ter um princípio não é?
Então vamos lá.
Era uma vez uma terra, bonita, cheia de árvores que se enchiam de flores das mais diversas cores na Primavera, no Verão com os frutos mais suculentos e apetitosos, quando chegava o Outono as folhas transformavam-se em finas partículas com a cor de ouro e com a chegada dos frios e chuvas do Inverno estas caíam, deixavam as árvores despidas para se banharem à vontade e ficarem limpas e cheias de força para a época em que as flores nelas tornariam a nascer.
Uma terra com mar e praia, aonde se poderiam construir na areia os castelos dos nossos sonhos. Rios lindos que desciam das montanhas, alguns vinham de terras distantes, e entravam nas cidades para nos alegrarem, para serem admirados, para nos alimentar com a sua água límpida e boa.
Nesta terra tão bonita vivia um Povo triste.
Estás a perguntar como era possível as pessoas estarem tristes quando estavam rodeadas de coisas tão belas, não é verdade?
Como em todas as histórias, e esta não é diferente, também havia gente má, e era gente má, chamemos a eles “Tiranos”, que governava aquele Povo.
Estes senhores, os Tiranos, queriam todas as riquezas para eles. As jóias de princesas eram para as mulheres, os carros para eles, os brinquedos bonitos eram para as filhas deles, até na comida e nos doces tinham o mesmo comportamento. Tinham casas muito lindas, com piscinas e grandes jardins. E tinham exércitos para os proteger, vários tipos de exército, como mais à frente hás-de compreender, isto porque tinham medo que o Povo um dia se revoltasse e exigisse poder comer também daquela comida boa, ou que os filhos pudessem brincar com bonecas tão bonitas como as que eles tinham.
O Povo, chamemos a todos os outros Povo, andava cansado, triste, com medo desses exércitos, para um dos quais os filhos eram obrigados a ir, porque havia uma guerra lá muito longe, em outras terras que diziam que também faziam parte daquele País.
O Povo trabalhava todo o dia, saía muito cedo de casa e só voltava à noitinha. Tinha muito pouco dinheiro, até para ter comida em casa suficiente para se alimentar. Nem todos os meninos do Povo iam à escola, o que fazia com que houvesse muita gente que não sabia ler e escrever. Os pais estavam sempre cansados porque tinham de trabalhar fora muitas horas e recebiam muito pouco dinheiro, as mães andavam tristes porque não podiam comprar comida boa, ou roupa suficiente ou ainda brinquedos para os filhos.
Só para tu teres uma ideia como os Tiranos eram malvados, o Povo não podia ler, aqueles que sabiam ler, todos os livros que queriam, o mesmo se passava com a música ou o cinema.
No meio deste Povo, triste como já te mostrei, havia uns Jovens, lutadores, aguerridos, corajosos, que acreditavam que tudo poderia mudar, que um dia haveria igualdade entre todos.
Estes Jovens também tinham medo dos Tiranos, mas como eram muito corajosos lá inventavam maneiras de não serem apanhados e maltratados pelos Tiranos.
Como estes Jovens não queriam ir para a tal guerra que havia lá muito longe, ligaram-se, falaram também com os Jovens que pertenciam ao tal exército dos Tiranos e que estavam condenados a irem para essa guerra.
Falaram muito, planearam tudo com muito cuidado e baixinho para que os Tiranos os não ouvissem. Não foi fácil, eles tiveram de ter muito trabalho para que tudo viesse a correr bem.
No dia em que viram que estava tudo tão bem combinado, em que os Jovens acreditaram que nada podia falhar, eles resolveram fazer uma Revolução.
Foi num dia de Primavera, no dia dos anos da tua mãe, que nessa época ainda não tinha nascido.
E sabes como eles começaram essa Revolução?
Com música. É verdade, com música.
A música era o sinal que a Revolução tinha começado. Primeiro cantou-se na rádio a canção “E depois do adeus”, que, para quem estivesse ligado à Revolução, nas noutras partes da cidade, queria dizer que a Revolução tinha começado, depois foi outra canção chamada “Grândola Vila Morena”, que queria significar que estava tudo a correr bem.
Quando o Povo se apercebeu que o exército que tinha os seus filhos, os Jovens, tinha vindo para a rua para tirar o poder aos Tiranos, juntou-se a eles.
As ruas encheram-se de pessoas, os Tiranos encheram-se de medo, ficaram com o medo que dantes o Povo tinha. Uns fugiram, outros foram presos.
O Povo nas ruas abraçava-se, cantava, sorria, finalmente tinha-se tornado feliz, finalmente tinha-se tornado livre.
E a partir desse 25 de Abril, os pais já não estavam tão cansados porque começaram a trabalhar menos horas e a receber mais ordenado, porque não tinham de dar aos Tiranos grande parte dele. As mães podiam comprar melhor comida para as refeições e uma ou outra gulodice para os filhos, estes já podiam ir para as escolas, já iam tendo os seus brinquedos bonitos.
A guerra que havia lá longe, naquelas terras que diziam que pertenciam a este país deixou de existir e também aqueles povos se tornaram felizes.
Os Jovens já podiam ler o que queriam, escolher as músicas que queriam ouvir e ver os filmes que lhes interessavam.
E quando falo, no princípio desta narrativa, de dois jovens que viveram nesta época, refiro-me ao teu avô Fred e a mim, que na altura festejámos com muita alegria estes acontecimentos.
Foi desse 25 de Abril, que saiu o Portugal aonde tu vives agora. Por isso é importante termos um cravo vermelho por perto, recordando uma revolução que foi feita com flores e que por isso ficou conhecida como a Revolução dos Cravos.
Hoje, o dia é dupla comemoração, pois a tua Mamã também faz anos. E se há Revoluções importantes na vida das pessoas o nascimento de uma filha, com as qualidades que a tua Mamã tem, é a maior felicidade que alguém pode ter.
É um dia feliz.
Um beijo da
Avó Guida

Margarida Sousa