Uma diatribe sobre os incontáveis vícios públicos e privados de oponente político em concorrência de aspirações é a mais comum estratégia de comunicação e o maior garante de um debate ganho (ou perdido, depende da perspectiva) à partida.
É assim que, cada um em seu polo, mantém um carnet (passe o estrangeirismo) e um lápis afiado para apontar, com vista a futura e oportuna recuperação, o nome dos prevaricadores seus adversários e, entre estes, dos reincidentes, seja para injuriar, seja para defesa da honra de algum dos seus que seja vítima de injúria, e nele apontam, com minúcia de ourives, toda a malfeitoria, todo o vício, todo o corrompimento, negócio ilícito ou sinal de riqueza não explicada, toda a velhacaria e toda a depravação, comprovada ou suspeita, que a seu momento há-de ser de grande valia.
Em caso de inexistência de defeito ou acto tangível que apoie o discurso ao assassinato de carácter, casos há em que, mediante equívoco onomástico, ou fabricação pura e simples, umas quantas pechas são eficazmente introduzidas em certas biografias, para ali se instalarem com carácter de verdades absolutas.
No plano nacional como no pequeno milieu da província em que a proximidade que nos une é garante de conhecimento directo, testemunhado e, por conseguinte, verídico e inatacável, das máculas que merecem a honra de constar no caderninho de apoio à injúria, assim se constrói toda a doutrina do debate público e boa parte da teoria geral da política.
Evidentemente que esta estratégia de comunicação não resistiria sem a existência de um outro registo antitético, onde consta a lista de inigualáveis qualidades e elevados actos de nobreza, quando não de bravura e puro heroísmo, atribuíveis a amigos e correligionários e ainda a opositores em situação de falecimento.
Geralmente, estas bíblias julgadoras do carácter alheio e a arte com que o seu conteúdo é espargido sobre discursos de afronta ou de louvor, acabam por revelar muito mais sobre a índole dos profissionais do ultraje ou da bajulação, conforme o caso, do que sobre os visados.
Em boa verdade, e os profissionais do argumento ad hominem sabem-no bem, esta estratégia discursiva não provoca, verdadeiramente, danos irreversíveis sobre os visados, os quais, por sua vez, recorrem com igual entusiasmo aos mesmos artifícios, com fino sentido de oportunidade. Os danos profundos e irreversíveis que tal forma de estar na vida pública causa fazem-se sentir sobre a qualidade dessa vida pública, sobre a qualidade do exercício da cidadania e em última análise sobre a qualidade da democracia e do regime.
Esta técnica é velha de barbas e só surpreende pela extraordinária capacidade que tem de sobreviver e continuar a produzir efeitos, mormente em época de eleições como a que decorre.
Por isso, e havendo por aí quem se apoquente copiosamente a tirar o argueiro do olho do outro, não parecendo preocupar-se com a trave no seu, é aconselhável que cada um de nós – anónimos cidadãos – tentemos descortinar onde termina a denúncia e começa a calúnia; onde se trata de livre exercício de opinião pública e onde o mesmo resvala para a retórica vazia e para a torpe calúnia!
Conceição Henriques
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