Com a chegada benfazeja das chuvadas da última semana, dei por mim – que, na anterior, me consolara com temperaturas de ar e água algarvias – a pensar que entrámos no ciclo do Outono.
É a época das castanhas,cuja importância na dieta alimentar dos portugueses foi enorme.
Vêm aí as padiolas das castanhas assadas, o São Martinho, qualquer dia o Natal, que se avizinha pobrezinho e triste, mas antes os Santos e os Fiéis Defuntos que hoje se comemoram juntos.
Dei por mim a revisitar “As Festas e Comeres de Portugal”, que Maria de Lourdes Modesto escreveu com Afonso Praça e que Nuno Calvet fotografou, edição da Verbo.
Por isso – também por razões de vizinhança – lembro que na região de Óbidos, onde se diz que no Dia de TodososSantos “andam os defuntos pelo mundo”, é costume as crianças andarem em grupo a pedir o pãoporDeus, levando cada uma o seu saquinho, onde recolhem o que lhes dão.
Ao que parece e, segundo a tradição, se nada lhe dão, afastam-se dizendo: ”Pão por Deus!,um pau pelas costas, livre-nos Deus”.
As broas na Columbeira, Bombarral, que se dão às crianças que andam a pedir, chamam-se pão por Deus.
Perto do Cadaval, também na região do Oeste, há quem dê uns pãezinhos de farinha triga, a que chamam brindeirinhas [de brinde…] ou merendeirinhas [de merenda…].
Como curiosidade refiro haver quem coloque as broas sobre folhas de figueira ou de couve para as levar ao forno.
São muitas as receitas e os ingredientes que compõem as broas dos Santos e em todas marca presença a erva doce, uma das aromáticas mais utilizada na doçaria popular do nosso país.
Estas práticas à volta dos Santos e dos fiéis defuntos não se circunscrevem ao início do ciclo do Outono. Estão ainda presentes no seu final!
Os costumes e práticas de Natal associam-se à evocação dos defuntos.
As visitas aos cemitérios é costume assente no Alto Minho, na véspera da consoada, assim como a crença de que os “mos maiorum” vão estar em espírito durante a ceia.
Como ensina o Prof. Francisco Sampaio,figura ímpar entre os gastrónomos portugueses, juiz da Confraria dos Gatrónomos do Alto Minho e presidente que foi da então Região de Turismo do Alto Minho,” daí o lugar vago na mesa a recordar o falecido mais recente, assim como o deixar a mesa de consoada noite dentro com todas as iguarias, para que as alminhas tivessem uma ceia melhorada em dia de Natal”.
Ao alinhavar este texto, assaltaram-me algumas das recordações de infância e lembrei-me de uma prática comunitária a que, ainda míudo, assisti da janela do meu quarto, em Faro, em noite de S. Martinho.
Como recordarão os mais velhos, na década de 50, proliferavam as tabernas, na sua “tripla” função de fornecedora de carvão, vinho e algum “petisco” para facilitar a bebida.
Pois nessa noite havia homens que transportavam, de porta em porta de taberna, míudos em padiola com “casota” de papel e iluminada por vela, e declamavam uma quadra de que apenas recordo a frase “S. Martinho vinho vamos ao copinho”! No tempo em que beber vinho era dar de comer a um milhão de portugueses…
João Reboredo
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