Alberto Costa
advogado
Há dois anos, quando se aguardava ainda o governo e o seu programa, anotei aqui – visto da Foz – o facto inédito dos votos dos portugueses «terem posto ao alcance de um líder do PS um exercício governativo de uma década». A oportunidade gorou-se e o enorme crédito político concedido reduziu-se imenso, como se tornou patente nas recentes eleições. E isto sem que tenha sido – suponho haver acordo nisso – por especial mérito da oposição.
Um governo como o que provavelmente nos aguarda não constitui, por si, fenómeno novo. Da nossa experiência democrática, e doutras, já decorrem lições bastantes sobre como «lidar bem» e «lidar mal» com uma solução como a que se prefigura. Nada, porém, se pode dar hoje como garantido: se uma maioria absoluta se pode dissolver assim antes do meio da legislatura, ficámos cientes de que há poucas garantias contra o inesperado. O que há, de momento, de novo – esse será agora «o» fenómeno – é a dimensão que os votos conferiram à formação mais à direita, quadruplicando o seu peso parlamentar. No escrito de há dois anos, mencionei a progressão desse sector como um movimento, esperável, de aproximação da nossa vida democrática ao padrão actualmente dominante noutros países europeus, e não só. O provável não podia ser ficarmos mais afastados do que se passa na França, na Itália, Países-Baixos, Alemanha, Áustria, países nórdicos… mas mais próximos. É hoje improvável – e diria mais exposta – uma democracia que opere sem incluir e contabilizar politicamente esta valência que «está lá», latente, na sociedade. Poderá «processar-se» melhor a realidade contando com a ausência de expressão parlamentar de parte dela? Mas é um facto que a tendência encontrou entre nós um excepcional acelerador. Estas eleições foram anunciadas em «acto contínuo» a uma demissão dum primeiro-ministro, em «timing» determinado por procuradores ao fim de vários anos de escutas telefónicas («um escândalo de corrupção», resumiriam os grandes meios internacionais de comunicação). Implicaram, por isso, para uma formação política como a que está em causa, mais do que um bónus, uma preciosa renda: conhecidos os seus temas de eleição, era como ir deliberadamente ao encontro do seu «modelo de negócio» político. Até surpreende que a percentagem atingida não se tenha aproximado ainda mais doutras já registadas em países não distantes cultural e geograficamente.
Mas arrisco, agora, contra a corrente: são de esperar, neste campo, melhores notícias. Há em breve um novo teste, menos «contagiado» por esta particular vicissitude. Das próximas eleições europeias, daqui a 3 meses, sairá actualizado um quadro comparativo da performance eleitoral deste tipo de formações nas democracias europeias. Se os principais actores democráticos agirem com um módico de inteligência e de vontade, os 18% de agora não continuarão a crescer por cá: o movimento será em sentido contrário e esse sinal poderá ser importante para o novo ciclo político. ■