Cristina Soares
Consultora de Comunicação de Ciência
Nos últimos dias, as redes sociais tornaram-se numa arena onde decorre uma furiosa batalha sobre a reversão do logotipo que o anterior governo tinha escolhido. E como na maior parte das discussões que se tornam furiosas, misturam-se uma série de argumentos que seguem aquela máxima filosófica de “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.
Ora vejamos:
Argumento: “Aquilo também eu fazia”
Mas não fizeram.
Argumento: “Não gosto”
O gosto é pessoal. Por exemplo, eu não morro de amores pelo dito logotipo, por achá-lo básico demais, mas também não gosto da versão que este governo foi reciclar, por causa até daquele torcidinho, a dar ideia de que a bandeira saiu de uma lâmpada de Aladino. Para mim, ambos os logotipos são fracotes. Mas é o MEU gosto. E aquilo que eu gosto ou não, importa, vá… apenas a mim.
Argumento: “Foi feito no Paint”
Quem diz isto, provavelmente nem sabe em que sítio é que o Paint está no Windows, não sabe tirar o som dos vídeos que lhe aparecem no Facebook e esquece-se de mandar os ficheiros nos emails. É também aquela pessoa que argumenta com coisas muito concretas tipo “ai…não sei…não era bem isso…” ou “eu sinto que isto não vai funcionar”. Estas pessoas, geralmente, também não têm uma ideia muito clara do que é o design, ignorando que este, mais do que cumprir um objectivo estético, tenta resolver problemas, através da cor ou da forma. Ou seja, um bom logotipo tem sempre uma explicação técnica para justificar porque é que foi construído daquela maneira.
Já agora, os torcidinhos do Aladino também podem ser feitos no Paint.
Argumento: “Foi um balúrdio”
Eu sei que o filho do primo, que acabou o curso há pouco tempo, é capaz de vos fazer o logotipo à borla. Que há “sites na net” onde a gente pode fazer um logotipo sem pagar um cêntimo. Só que, por incrível que pareça, este trabalho paga-se bem, especialmente se vier de uma agência premiada, como foi o caso. É como aquele IPhone que compraram ao vosso rebento. Faz a mesma coisa que o Xiaomi, que custava bem menos. Mas um IPhone tem outro sainete e outros estudos, não é?
Argumento: “Deram cabo da simbologia da nossa bandeira”
Citando José Pacheco Pereira, há uns dias, sobre este assunto: “Dá-me um certo gozo ver tanto monárquico a defender uma bandeira jacobina”.
Ou, citando Eduardo Lourenço, num esforço final para elevar esta crónica: “A nossa identidade é-nos dada pela língua. O resto é identidade humana, normal, genérica. A identidade no sentido em que a tomamos, como qualquer coisa de particular, uma voz que é só nossa, que escutamos, é dada pela língua. Em segunda instância pela escrita, pela memória escrita. Uma cultura é uma memória, qualquer coisa que se está sempre a reciclar dentro do mesmo.”
Lembrem-se um bocadinho disto da próxima vez que comprarem bandeiras com pagodes ou os panos trocados, para verem o jogo da selecção.■