No início da última semana do mês de Março, todas as televisões do Canadá seguiam atentamente o momento em que o nosso Ministro das Finanças do governo federal se dirigiria à sapataria da sua preferência, no acto solene de comprar um novo par de sapatos. Diz a tradição que, para apresentação do orçamento do governo canadiano, é de bom tom, calçar um par de sapatos novinhos em folha. A mensagem que o ministro passou cá para fora, no interior da sapataria, era a de que iríamos ser contemplados com um novo ano fiscal de poupança, e de grande contenção da despesa. O membro do governo apenas tirara do seu porta moedas a módica quantia de 135.00$ dólares, com os quais adquiriu um modestíssimo par de sapatos de qualidade duvidosa, já que aquele montante, equivale ao custo mínimo duns sapatos novos neste país.
Foi assim sem surpresas, que no passado dia 29, o país acolheu algumas novidades, nem todas muito agradáveis. Numa tentativa de abandonarmos o défice, que afecta as contas públicas canadianas desde que a crise se instalou no grande vizinho do Sul e depois na Europa, a partir do ano fiscal de 2015-2016, o actual governo prevê que o Canadá volte de novo a uma situação equilibrada, com o saldo das contas da grande nação canadiana a ser de novo escrito a preto.
A redução na despesa dos vários ministérios será este ano da ordem dos 5,2 mil milhões de dólares,ou seja, o equivalente a cerca de 0.2 % do PIB do Canadá para 2016-2017.
A notícia com mais impacto e a que mais vai afectar directamente a maioria de todos nós, foi no entanto, a que se refere à da alteração da idade, a partir da qual todos os canadianos por nascimento ou por opção, bem como todos os residentes permanentes (imigrantes) deste país, passarão a ter direito ao recebimento da pensão federal. Convém realçar que as nossas pensões são constituídas, regra geral, por dois cheques. Um do governo federal e outro da província na qual habitamos. Evidentemente, a partir do momento em que o governo de Otava altera a idade da reforma dos canadianos, as províncias modificam igualmente as suas pensões. Esta alteração da idade da reforma de todos nós, apenas se pode considerar como uma meia surpresa, pois de algum tempo a esta parte as mensagens que nos chegavam da capital federal iam todas nesse sentido. Não estamos a fazer mais afinal, do que a Alemanha já fez há algum tempo e os próprios franceses, se preparam para fazer. Não conhecemos bem a intenção do governo de Lisboa neste capítulo, mas imaginamos que, como políticos responsáveis que são, tanto os actuais como os anteriores locatários do Palácio de São Bento, têm vindo paulatinamente a preparar os portugueses para esta inevitabilidade, de forma a que, quando tal acontecer, todos os nossos amigos desse pequeno cantinho, num dos intervalos das discussões sobre o grau de honestidade dos árbitros da bola, possam pouco a pouco começar a mentalizar-se para esta nova realidade.
Imaginamos igualmente que, tal como aqui, o actual governo do PSD/CDS bem como o anterior do PS, têm feito diariamente, um trabalho de sensibilização e de mentalização das pessoas para a problemática da baixa natalidade, e dos fraquíssimos rendimentos dos mercados de capitais nestes últimos anos, os quais, aliados ao aumento gradual da esperança média de vida das populações, irão pôr em causa a sustentabilidade dos fundos de pensões para as gerações vindoiras, que não deverão em caso algum, ser penalizadas pelas políticas do nosso tempo.
Para impedir que tal aconteça, o Canadá legislou, e já se sabe que as pessoas nascidas a partir de Março de 1958 apenas começarão a receber as suas reformas depois da data em que perfazem 66 anos, e todos aqueles que nasceram depois de Fevereiro de 1962 começarão a receber as suas pensões a partir do dia em que perfazem 67 anos. Além disso, todos os que optarem por continuar a trabalhar até aos 70 anos, verão o seu cheque mensal federal, aumentado em cerca de 30%. Trata-se de uma reviravolta de 180 graus, relativamente ao que até há pouco tempo se pedia, com todos a aspirarem ao direito de reforma a partir dos 55 anos. Mas quando se sabe que, cada vez mais se vive para além do centenário, não é preciso possuir grandes conhecimentos de actuariado para compreender esta nova problemática. Cabe aos responsáveis políticos, alertarem as populações para tal.
Tratando-se de uma medida definitivamente impopular, foi no entanto facilmente aceite por todos os quadrantes políticos canadianos, e até o partido Os Verdes, normalmente mais à esquerda, a aceita como inevitável. Imaginamos seguramente, que os membros do nosso Partido Comunista do Canadá, não estarão de acordo, mas como também não têm representação na Cãmara dos Comuns, não somos obrigados, tal como aí, a ouvir as suas cassetes, repetidamente e até à exaustão, com as mesmas vozes de contestação, que foram importantes em determinadas alturas da história dos povos de diversos países, e de Portugal em particular , mas que já não se justificam após 40 anos de vida democrática. A democracia acabará no entanto por fazer o seu trabalho, como o fez noutras grandes nações da Europa, e aqui, estamo-nos a lembrar do grande PC francês de Georges Marchais da crise de Maio de 68, e dos anos que a ela se seguiram. Agora, e para além dos historiadores, quem se lembra deles? O mesmo acabará por suceder em Portugal, pois os partidos, como tudo o resto aliás, nascem, crescem e desaparecem!
J.L. Reboleira Alexandre
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