O Teatro não faz revoluções

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Jorge Sobral
jurista

Ouvi há dias o ator João Mota, da companhia de teatro “A Comuna”, fundada no dia 1 de Maio de 1972, dizer esta frase, “O Teatro não faz revoluções”. Deixou, no entanto, uma pequena subtileza ligada a esta expressão, de quem reconhece a importância da palavra dita.
Por essa altura, respirava-se teatro na cidade das Caldas, quer por iniciativa da Coletividade “Os Pimpões”, quer através da Escola Rafael Bordalo Pinheiro e por fim, talvez com maior tenacidade, no Conjunto Cénico Caldense.
Com uma feroz e constante vigilância da Pide, os diretores do CCC, teimavam em levar para a frente os objetivos a que se tinham proposto. Divulgar o teatro.
Foram muitas as peças de Autores Portugueses, que este agrupamento levou à cena.
Nem a censura a que estavam sujeitas as peças propostas faziam parar o desejo de muitos caldenses representá-las.
Teimando sempre, apresentando-se a concurso organizado no Secretariado Nacional de Informação (SNI), logo veio ao de cima a grande qualidade dos trabalhos apresentados levando o CCC, a conquistar prémios nacionais e menções honrosas.
O Conjunto Cénico Caldense, foi um espaço para muitos jovens desenvolverem o gosto pelo teatro, pela leitura, pelo cinema, pelo bailado, mas acessoriamente, também pela justiça, pela liberdade de expressão e, sobretudo, pela compreensão de como era difícil ser-se livre. Perceberam que existia um garrote que os impedia de ler os autores que desejavam, que lhes não era permitido representar as peças de autores que admiravam. Que não podiam ouvir as músicas que amavam.
A vida do CCC, sabe-se hoje, era constantemente vigiada assim como os seus responsáveis.
Mas o caminho estava aberto. Muita da juventude que por ali pululava, estava disposta a ir mais longe e desafiar a ditadura.
Decidiram levar à cena a peça de Bertolt Brecht “A exceção e a Regra”, que foi apresentada na sede do CCC, uma vez, sendo a segunda representação na casa Paroquial na Freguesia do Nadadouro, por iniciativa do Pároco, o Padre Vicente.
Mas esta ação, de forma assumida por esse grupo de jovens, entendeu que seria o momento para fazerem algo ainda mais desafiante. Coletivamente escreveram os textos para a peça a que deram o nome de “Caldas Dia a Dia”.
Tal como o nome indica, tratava-se de reproduzir por pequena sketch, as vidas dos caldenses violentados nos seus direitos, explorados no seu salário, tentando simultaneamente por a nu a hipocrisia de muitos.
De todos estes jovens afoitos, alguns sofreram com a prisão, outros com a perseguição constante, outros caminharam para o exílio.
O Teatro não faz revoluções, mas derruba muros, fazendo florir mentes, que desabrocham como papoilas. ■

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