Celeste Afonso
diretora cultural executiva
Gosto de ir cedo a Óbidos no 1º de Maio para sentir a Vila maiada: as ruas exalam o perfume de maias e alecrim e percorrê-las é sentir o vigor telúrico; as portas ostentam as maias ali colocadas durante a noite para afastar o “maio”, o “carrapato” ou o “burro”; alguns residentes cumpriram a tradição de se levantarem antes do nascer do sol para não “ficarem amarelos”. Horas depois, os muitos turistas que diariamente percorrem a Vila serão indiferentes a esta tradição. Na verdade, não há comunicação cenográfica e criativa a anunciar mais um evento – e ainda bem!
Os Maios ou as Maias são celebrados à escala global, sobretudo na América do Sul e na Europa. Seja sob a forma de cortejos com jovens adornadas com coroas de flores, cantando e dançando, seja erguendo mastros de Maio à volta dos quais a comunidade dança e canta, sejam combates cerimoniais entre o Verão e o Inverno, sejam portas e janelas enfeitadas com giestas e maias, as Maias e os Maios são festas populares que acontecem um pouco por todo o mundo e que evoluíram de forma sincrética e ecléctica. Relacionadas com os antigos cultos da Primavera, como as Florálias, a Noite de Walpurgis ou o Sabath de Beltane, entre outros, na sua essência está a ideia universal de, na Primavera, se estimular a natureza e assegurar a regeneração das forças genesíacas.
Hoje, a comunidade de Óbidos continua a maiar a Vila para manter viva a tradição, sem consciência de fazer parte de uma energia cósmica que, na última noite de Abril, é activada por muitas comunidades que, mundialmente, também estão a cumprir a tradição, a repetir os gestos ancestrais dos antepassados. E isso é o mais importante! Todos os anos, no último dia de Abril, a comunidade organiza-se e vai para o campo colher as maias e o alecrim. Ao anoitecer, os homens começam a colocar maias em tudo o que é aldrabas de portas e janelas e a atapetar as ruas e as entradas das igrejas e capelas. E quando a Vila já está toda maiada e na Porta da Vila já não resta nada das cargas ali deixadas durante a tarde, preparam um repasto, ali mesmo, convidando quem passa a pegar num prato e num copo e a juntar-se à festa, num folguedo que dura até de madrugada.
Há 12 anos, ao longo de seis meses, preparámos o primeiro espectáculo comunitário em A-dos-Negros, o Bona Dea, para celebrarmos Os Maios, pois “Todos os anos, neste dia, a aldeia aguarda a chegada do vento quente que traz o ar carregado de perfumes especiais. Aqui, neste dia, tudo muda com a chegada da Bona Dea. Alguns dizem que são os tambores da terra a prepararem os campos…”
E ainda hoje, quem viveu este espectáculo, sorri com a alma ao recordá-lo.■