Socorro-me do saber de José Quitério para lhes lembrar que “a mais breve noção do que é a gastronomia, reza assim: a gastronomia é a arte de bem comer, que tem como técnica, a boa culinária”.
Mas a arte bem comer é um dos exemplos maiores de uma forma “conseguida” de património cultural.
E daqui parto para lhes contar a história de prato bem conhecido da cozinha italiana.
A “pasta” (nós dizemos massa) carbonara surgiu na II Guerra Mundial porque os soldados britânicos estavam fartos do consumo diário de ovos com bacon…
Primeiro há que esclarecer que, muito embora estejamos habituados a ver as natas como ingrediente relevante da receita, elas são, para a mais tradicional e autêntica cozinha transalpina, um delito!
Na receita original usavam-se como ingredientes os ovos, a pimenta preta e a banha, além da manteiga ou do azeite para ligar o molho, que não levava natas.
A palavra ‘carbonara’ está intimamente relacionada com o carvão.
A pimenta negra lembrava o carvão vegetal com que trabalhavam os mineiros.
A receita teve origem nos Apeninos, uma zona do norte de Itália onde a actividade mineira era muito importante. Os “carvoeiros” eram os que mais comiam estes pratos de pasta, que deviam ser servidos logo que cozinhados para que os ovos não coalhassem. E foi por isso que “mereceu” esse nome.
Há quem refira até que a pimenta preta, que se deitava sobre o prato, era em homenagem ao carvão, e daí o nome de “carbonara” ficar a dever-se ao aspecto da iguaria.
A receita sofreu uma reviravolta em 1944, em plena II Guerra Mundial. As tropas britânicas e norte americanas combatiam sem tréguas o exército alemão. Era período de racionamento muito apertado, mas, ainda assim, nas despensas desses exércitos abundavam os ovos e o bacon.
Rezam as “crónicas” que um dia, fartos do famigerado pequeno almoço diário de ovos estrelados com bacon, entraram numa casa – particular ou de comidas, não sei – e pediram que lhes preparassem uma receita nova com aqueles ingredientes. É sabido que em Itália qualquer prato que se preze deve incluir pasta. E, assim, prepararam-lhes um prato com esparguete “al dente”, ovos batidos, alho e bocados pequenos de bacon, por cima, prato que rapidamente conquistou as tropas. A receita evoluiu com o andar do tempo. Às natas, como já se disse, ingrediente mais popular na carbonara fora de Itália que dentro de fronteiras, junta-se hoje a cebola, aliás, actualmente muito usada em pratos da dita.
Sempre lhes digo que a “carbonara” não é refém do esparguete. Cozinha-se, lá e por esse mundo fora, com quase toda a espécie de massa. Por mim, prefiro tagliatelle ou fettuccine.
E fecho, lembrando o conceito, que tantas vezes cito, de Fialho de Almeida, para lembrar que “o prato nacional é como o romanceiro nacional, um produto do génio colectivo, ninguém o inventou e inventaram-no todos; vêm-se ao mundo chorando por ele, e quando se deixa a pátria, lá longe, antes do pai e da mãe, é a primeira coisa que lembra”, ou seja é património cultural, puro e duro!