Portugal é um excelente país para se estar morto

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Cristina Soares
Consultora de Comunicação de Ciência

Costumo dizer que não há pecado menos tolerado em Portugal do que o da vaidade. Perdoa-se tudo, a mentira, a gula, a vingança, até a inveja. Agora ser vaidoso é que não pode ser! Ser modesto e pobrezinho é que é sinal de integridade, poucas ondas, nada de andar para aí a sobressair-se com sucessos e vitórias. Não, as pessoas decentes guardam as vitórias em casa, e na rua só usam o queixume do “vai-se andando”, que é para continuarem a gostarem de nós, que os vaidosos, são como os primeiros-ministros, não devem ter amigos porque só gostam do próprio umbigo. E toda a gente sabe que quem tem realmente valor não precisa de se gabar, que o mérito fala por si. O problema do mérito, para além de ser uma falácia fofinha que dá imenso jeito para esconder desigualdades sociais e desníveis de oportunidades, é que, a maioria das vezes está afónico. Uma maçada.
Em Portugal temos tanto azar à vaidade, que até nos tornámos num povinho bem parco e sovina nos elogios. Que só gastamos com os nossos ricos filhos (que são uma jóias e umas inteligências, graças a deus), com o senhor doutor engenheiro (que o respeitinho é muito bonito e a gente nunca sabe se vamos precisar deles, que neste país toda a gente se conhece) e com os defuntos. Ah, os defuntos, esses sim, têm todas as qualidades, especialmente porque depois de mortos já não chateiam nem falam. Temos assim a garantia que nunca mais abrirão a boca para se armarem ao pingarelho. Por isso toca a ser uns mãos largas nos elogios, afinal já não estão cá para os ouvirem, logo não correm o risco de se incharem com a vaidade. Até porque morrer duas vezes era capaz de ser chato. E nós aproveitamos para passarmos por boas pessoas.
Basta olharmos para o Facebook, para percebermos que Portugal é um excelente país para se estar morto. Devemos ter os defuntos mais formidáveis do mundo, pessoas incríveis que tocaram imensa gente, corações enormes, inteligências extraordinárias, enfim, não há morto português que não tivesse sido “um senhor”, ou “muito boa pessoa”. Tudo o que morre neste país torna-se em algo extraordinário, sejam pessoas que foram a vida toda insuportáveis, lojas onde nunca gastámos um tostão ou teatros nos quais nunca entrámos.
Agora, vaidades e sucessos em vida é que não pode ser. ■