Que fascínio é este pela Idade Média?

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Isabel Xavier
professora

Pouso a Gazeta das Caldas do dia 28 de julho, que dá notícia de mais um mercado medieval a decorrer em Óbidos, após dois anos de interregno devido à pandemia. O evento é trazido à primeira página com uma imagem alegre dos participantes na cerca do castelo, acompanhada da legenda: “Sucesso. Mercado medieval de Óbidos atrai milhares no primeiro fim de semana”. Nas centrais, fala-se da animação do recinto “garantida por diversos grupos participantes, oriundos de vários pontos do país”. E, mais importante, reconhece-se que “mais de duas dezenas de coletividades dão ‘vida’ às tabernas e tascos do evento, que envolvem cerca de 600 voluntários”, o que é destacado como um autêntico “balão de oxigénio” para as ditas coletividades.
A dinamização de mercados medievais durante a época de verão constitui uma tendência que alastrou pelo país de forma impressionante, “contaminando” cada local que possua muralhas e vias empedradas ou outros espaços que, de alguma forma, se assemelhem à imagem que temos do período medieval. Pela primeira vez este ano, ocorreu com enorme e inesperado sucesso, segundo os próprios organizadores, uma feira medieval no Carvalhal do Bom Jesus, que já tinha dado prova das respetivas potencialidades cénicas na telenovela “Beirais”, gravada nas principais artérias da vila.
Jacques le Goff, grande medievalista, disse, referindo-se ao seu gosto por estudar a civilização medieval: “descobria nela o prazer nostálgico (…) de uma luta contra a morte. A História mergulha na vida do passado, prolonga essa vida desaparecida, e ressuscita-a, pelo menos imagina que a ressuscita, mesmo sabendo que essa ressurreição se arrisca a não passar de um adiamento. Prazer da ressurreição, por um lado; nostalgia da ilusão, por outro.”
“Idade Média” é, em si mesma, uma expressão cruel, como se mil anos de História pudessem ser reduzidos à simples situação de estar no “meio” de duas outras épocas, como se pudessem ser remetidos para uma espécie de limbo, situado cronologicamente entre a Civilização Clássica da Idade Antiga e o Renascimento da Idade Moderna. Na verdade, a própria construção da Europa e da Civilização Ocidental ocorreu na chamada Idade Média que, para além do ressurgimento dos burgos e respetivas feiras e mercados, que agora tanto festejamos, nos legou os livros (com o formato que conhecemos), as universidades, as igrejas românicas e as catedrais góticas e muitos outros elementos fundamentais para a vida atual, sem que disso tenhamos consciência.
Aliás, parece-me bem que aqueles que não hesitam em classificar de “medieval” qualquer dito, ato, atitude ou comportamento inaceitável por ser a expressão de uma mentalidade iníqua e ultrapassada, são os mesmos que frequentam os espaços que pretendem fazer reviver esse período histórico. O que não tem mal algum. Faz parte de nós sermos contraditórios e a Idade Média é apenas mais um exemplo de amor-ódio que nos atrai e afasta em simultâneo. ■