Com este “Abril, águas mil” o país foi resgatado do período de seca extrema.
Foi a água, importada de distantes paragens por nuvens em movimento migratório, que por estes dias enfim nos “Cai a cântaros”, aplacando generosamente a memória coletiva do rescaldo dos incêndios.
No entanto, como tendencialmente apenas valorizamos o que temos quando não temos, a questão da seca que no verão passado se salientou na mente do público ficou agora condenada a cair em rápido esquecimento. É o “Longe da vista, longe do coração” que precisa ser contrariado porque a seca passou a ser um acontecimento de incidência cíclica pelo que, ainda nos dará “Água pela barba”, caso não sejamos insistentes como “Água mole em pedra dura tanto dá até que fura”. É imperativo que tomemos como necessidade permanente a gestão da água, o que inclui adoção de medidas para a sua poupança, retenção, distribuição e despoluição.
Como tendencialmente o interesse do público é mais facilmente estimulado por acontecimentos dramáticos, por mexericos e celebridades, é comum os media alimentarem agitações emocionais. Fomentam-se paixões e ódios por jogadores, treinadores, árbitros, clubes e dirigentes no caso do futebol, por ministros, deputados e lideres no caso da política assim como, por desordens jurídicas e criminais, catástrofes naturais e humanas e até, por banalidades meteorológicas.
Diz-se que “O povo tem memória curta!” influenciados que estamos pelas escolhas jornalísticas dos tópicos que influenciam a nossa perceção da realidade. Determinados pela extensão da cobertura dos meios de comunicação os assuntos “Jorram como água”, emergindo num repuxo contínuo com repetida divulgação, independentemente da relevância das questões. Os que frequentemente são mencionados povoam a mente ao mesmo tempo que outros desaparecem da consciência, como refere o provérbio, “Águas passadas não movem moinhos”. Na verdade, a memória seletiva é apanágio de todos nós que tendemos a avaliar a importância relativa das questões através da facilidade com que as recuperamos da nossa memória.
O público está viciado em somente sentir sede por assimilar a surpresa da novidade. É o que acontece com as questões de igual modo importantes, mas que por tudo isto se tornam menos acessíveis às memórias individuais como o é o evento histórico que se comemora a 25, celebrando o dia da conquista da liberdade. Momento muito empolgante para uns, os que o vivenciaram, mas suscitando menos entusiasmo para outros.
Aos herdeiros desse acontecimento é possível aceder ao seu registo através das atuais maravilhas tecnológicas que fixam a memória para usos duradouros de acesso alternativo, disponíveis a qualquer momento. Gravam-se e arquivam-se dados fatuais para mais tarde recordar, o que transformado em informação, expande, suporta e influencia diversos graus de consciência histórica coletiva. Estes amplificadores da memória transformam-nos em seguidores fervorosos da lei do menor esforço, mas tornaram ideias e ideais acessíveis, aqui e agora.
Se a nova geração não sente o fardo de memorizar fatos passados e toma a liberdade como realidade adquirida, será justo exigir-lhe que futuramente, “não meta água” e aplique o funcionamento mental, assim solto, ao estímulo de formas de raciocínio crítico, criativo e informado para “Separar as águas”.
Tão “Claro como água” é não esquecer de lembrar de recordar que há coisas que podem escassear se o esforço em honrar a nossa existência não for um gesto exercitado diariamente no presente.