Rainha em Calda

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O triunfo das motosserras?

Recentemente experimentamos as consequências da síndrome de cortes cegos, agora somos confrontados com a esquizofrénica campanha para a prevenção dos incêndios que vincula abates indiscriminados.
A ocupação do solo pela floresta é estratégica para fazer face às alterações climáticas, o que se aplica a grande parte do território do distrito que, até recentemente, beneficiou de áreas com manchas de arvoredo importantes para a biodiversidade, fatores naturais diferenciadores da paisagem na região.
A urgência é replantar Portugal começando por erradicar as infestantes e implementar centrais de compostagem de desperdícios vegetais para acolher e valorizar a matéria resultante da manutenção de espaços verdes, terrenos e jardins.
Passando agora a substantivar substâncias substanciais, relembremos alguns conceitos
como o que será um matagal. O dicionário esclarece que é um terreno baldio, inculto onde crescem plantas agrestes que, por sua vez, se designam por plantas do campo ou plantas rústicas. Já o adjetivo agreste é sinónimo de bravio, inculto, áspero e camponês.
Podemos então tomar as atuais medidas de erradicação, decretadas por pessoas que pretendem representar o seu contrário, os que são atraentes, encantadores, burgueses e urbanos, como uma limpeza a fim de simular sofisticação, numa tentativa de modernidade que dissimula a proveniência provinciana com a qual se pretende cortar, de maneira definitiva, as relações afetivas com o espaço florestal e com o campo, do qual são oriundos.

Um esforço de higienização do património vegetal para uma floresta assética, limpa que só falta impermeabilizar. Uma imberbe ecologia de estado que coloca a saque o sistema de vida a que agora se tornou obrigação nomear de sustentável.
Se um terreno está sujo é porque tem lixo, o que não é necessariamente ter matéria vegetal porque o lixo é constituído por detritos que homem produz e que para não se acumularem por perto, por serem matérias repugnantes, se deitam fora o mais longe possível da casa, da rua, do bairro, de preferência para o país vizinho. No sentido figurado, o lixo são eles, uma entidade abstrata, a ralé, os seres desprezíveis, os seres vis agora projetados nas árvores e arbustos.
Já para se abordar o sujo importa começar pelo seu oposto, porque implica a adoção das ações necessárias para a sua eliminação. Tornarmo-nos asseados, limpos, imaculados, sem riscos o que, no sentido figurado, é ser decente, ter decoro não ser imoral.
A palavra “sujo” teve origem no latim, succidus, que significa viscoso, gorduroso e que se emprega para adjetivar o que apresenta sujidade, o que está imundo, corrupto, obsceno, indecente, o que merece repúdio ou reprovação.
É curioso notar, como a sociedade suscetível que se tornou a tantas repugnâncias, não se enoje com facilidade com a proveniência de certo dinheiro. Somos demasiado tolerantes às excreções da lavagem do dinheiro, mas contidos na ira relativamente ao que resulta do jogo das sujidades e que prolifera como mato! Esse substantivo masculino, sinónimo de charneca, brenha, matagal, que é uma alteração de mata, como a da Rainha, e ainda, matagal designando bosque extenso e cerrado que, em sentido figurado, significa conjunto de coisas emaranhadas ou eriçadas, ou seja, em que é difícil penetrar, dominar, que não se submetes ou adapta à domesticidade, comprometendo a nossa fragilidade, sujeitando-nos ao desconforto dos incómodos cortantes e urticantes.
Não há motosserra que corte, a raiz ao discernimento!

Maria João Melo   
rainhaemcalda@gmail.com