Resistência (3) O Padre Vicente

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Jorge Sobral
jurista
Estamos nos finais dos anos sessenta. Nesses anos chegou à Paróquia da Freguesia do Nadadouro o Padre Vicente. Angolano, foi trazido para a Metrópole, para o distanciar do convívio com os Movimentos de Libertação.
Nesse mesmo período um grupo de jovens ligados ao Conjunto Cénico Caldense (CCC), entre outras iniciativas, decidiram levar à cena uma peça de teatro, do autor alemão, Bertolt Brecht. Poeta e dramaturgo esconjurado e perseguido nos países dirigidos por ditadores. Todos nós sabíamos as consequências que nos cabiam se tal peça teatral fosse à cena.
Sob a direção do então jovem Manuel Gil, iniciamos os ensaios, tendo neles participado para além de mim, o Carlos Tomás, o José António Ribeiro Lopes, o Pedro Freitas, o Fanam e o Jaime Saez Salgado, que tocava viola. Que me perdoem os outros de que não consigo lembrar.
A estreia aconteceu nos Pavilhões do Parque, na sede do CCC. A representação era feita no meio da sala com os espetadores ao seu redor, tipo teatro circo. Quando os diretores do CCC se aperceberam do risco em que estávamos a colocar a coletividade, impediram a repetição de tal espetáculo.
Embora jovens e voluntariosos, percebemos rapidamente que os responsáveis tinham razão. Deste grupo dois (Carlos Tomás e José António Ribeiro Lopes) passaram mais tarde, pela prisão política do Forte de Peniche.
É então aqui que entra o Padre Vicente. Embora com residência fixa, e sob vigilância da Pide, ao ter conhecimento da existência desta representação, convidou o grupo a apresentá-la na freguesia, tendo ficado a seu cargo a organização do espaço e o anúncio na missa, convidando os paroquianos.
A representação correu sem qualquer perturbação. Os assistentes sentados em bancos corridos e outros de pé, assistiram com atenção ao desenrolar da história. Esta tratava do tema da ganância e da exploração laboral dos mais fracos, assim como da impunidade de que gozavam os mais poderosos. Seguiu-se uma conversa muito animada entre o Padre e os seus paroquianos, sobre a utilidade do teatro e a importância do texto.
Nunca mais tive a possibilidade de estar ou me encontrar com o Padre Vicente.
Ao falar com a atual Presidente da Junta de Freguesia, pessoa que muito estimo, perguntando-lhe se sabia notícias do Padre, respondeu que teria regressado a Angola e não sabia mais nada. No entanto, lembrava-se muito bem do Padre Vicente, pois era muito ativo. Nessa altura andava na catequese tendo sido beneficiária da sua ação pastoral. O Padre Vicente foi um lutador pela libertação do seu Povo. ■
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