Crónicas de Bem Fazer e de Mal Dizer – XVIII – PASSATEMPO

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Em 1891, o mundo comercial lisboeta foi abalado por um evento de uma dimensão tal, que constituiu um verdadeiro acontecimento incomensurável. Nunca semelhante se tinha visto!… A inauguração dos Grandes Armazéns de Gandella & C.ª, com entrada pelas Ruas Áurea e do Carmo.
Bordalo Pinheiro amigo de Francisco Grandela, o proprietário dos afamados armazéns, dedica uma página do seu jornal “O António Maria”, a tão concorrida ocorrência comercial; um verdadeiro ato de elegante cariz social.

Os Grandes Armazéns de Grandella constituíam o que de mais moderno podia ser oferecido. Tanto assim que o seu departamento de Publicidade publicava uma pequena revista intitulada “Passatempo, Revista Ilustrada”, tendo como editor Joaquim Monteiro Cantharino, e era impresso na Imprensa Progresso, situada na Calçada de S. Francisco, Nr.º 23, em Lisboa. Esta publicação era de periocidade quinzenal.
O número 59 do “Passatempo” editado a 10 de Junho de 1903 dedicou uma Crónica a Rafael Bordalo Pinheiro, de que vos damos dar conhecimento:
“No momento de prestar-lhe a mais justa das homenagens ao talento brilhantíssimo de Rafael Bordalo, o artista genial que a tão alto ergueu o nome português no mundo das artes, não só como caricaturista dos mais portentosos e exímios, como pelo seu espírito em que fulgura a “verve” mais fina, mais requintada e mais mordaz, não podia o “Passatempo”, ficar no silêncio, sem que, à manifestação consagrada, n’um banquete, a esse génio verdadeiramente pujante, não juntasse também a sua pequenina parcela de admiração e de aplauso, dedicando-lhe esta “Crónica” do presente número.
[…] Possuidor d’uma retina maravilhosa que lhe permite gravar, para sempre, no espírito as imagens vistas apenas n’um segundo, tira dela todo o partido desejado e, munido d’um lápis, que, em suas mãos se transforma em látego de fogo ou em bisturi dos mais delicados, vai analisando, com olhos de grande pensador, os factos da vida política e particular, uma cheia de toleima, de bazófia e de injustiças, e outra cheia de pedantismo de indiferenças e de nulidades, quer se apresente de casaca, monóculo, olhos em alvo e cérebro vazio, quer no bródio descarado d’uma visita às hortas, onde se come, se bebe e se canta à custa dos tarecos para esse fim empenhados.
Aos olhos do artista passam todas essas cenas e logo, em requinte de graça, mas graça a valer, lhes descarrega um “bote” tremendo e no qual, as liras dos poetas de porta de café, dos políticos crónicos da Arcada, ou dos pândegos defraudados, sofrem grande arromba, tais são as gargalhadas que esse mesmo “bote” faz soltar a todos quantos preferem o critério ao monóculo e a oficina à esturdia.
Rafael Bordalo, porém, não contente com o muito que fizera, torna-se modelador e aperfeiçoando a indústria da louça das Caldas, ainda mais fez brilhar o seu talento, na apresentação de obras como a célebre jarra Beethoven, verdadeira preciosidade artística e que em todos os seus mais mínimos detalhes mostra a mão d’um mestre, d’um pensador, d’um pensador e d’um poeta.
E ao aperfeiçoar essa indústria, em tudo nacional, ele espalhava a jorros o muito do seu saber, do seu valor, e da generosidade pois, sem reservas, e à custa de conselhos dos mais proveitoso, ele criava artistas e de mérito.”

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Deixemos Bordalo trabalhar…

Isabel Castanheira

Gazeta das Caldas
O António Maria – 2 de Julho de 1891 | D.R.
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