Santo Natal!

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Estou a fazer doce de abóbora, a casa enche-se de cheiros a nostalgia, memórias de ternura que agradeço aos meus pais e avós.
Como era aconchegante a nossa cidade na minha infância! Pequena, segura, conhecíamo-nos pelos nomes de família, havia um bom dia a cada esquina.
Na época de Natal ainda se tornava mais notória esta sensação de “cozy” porque se acrescentavam “Boas Festas!”
Lembro como gostava de fazer o presépio com o meu pai. Todos os anos acrescentávamos mais umas peças de barro que se compravam na praça. De como o arroz doce da avó Maria era delicioso, ou de como esperava, com a Fernandinha, que o avô Manel chegasse da Mercearia do Zé Marques com Chapéus de Chocolate da Regina para nos dar. Trazia-os nos mesmos bolsos onde punha uns rebuçados Dr. Bayard para prevenir as constipações.
Em casa cheirava a pinheiro… enfeitado com lindas bolas de vidro da Begónia!
As ruas enchiam-se de gente e nas montras apareciam brinquedos… gostava muito de esbugalhar os olhos na Tália a ver a Nancy e os livros da Anita. Por vezes a D. Rosa chamava-nos e deixava-nos ouvir algum “single” no gira-discos da cabine de som.
Para o bacalhau da consoada, comprado com a devida antecedência, eram horas intermináveis no Pena, quando o Mané não podia ir entregar a casa.
A mãe punha o melhor serviço na mesa e os guardanapos nas argolas de prata!
O Bolo-rei, com brinde e fava, claro que só podia ser do Machado acompanhado do “espanholês” da D. Peregrina, que a vó Eugénia fazia questão do ir buscar o mais cedo possível, “não fossem vendê-los todos!” E quem não se lembra das trouxas da Nanã? Ou da lampreia da Matilde… mais uma para o Dr. Moreira!
Na noite de 24 lá iam as meias para a chaminé onde misteriosamente apareciam uns presentes na manhã de Natal. Era o Menino Jesus que os trazia, mas só para os meninos que fossem bonzinhos! Uma vez, garanto, que ao ouvir barulho fui espreitar e quase que vi as perninhas do Menino a sair pela chaminé.
Curiosamente o Menino oferecia sempre roupa do Sr. Arroja da Nobela, do Sr. Ramiro, do Américo. Os lenços e as meias que tinha visto a avó comprar no João Vintém, as cuecas no Sr. Jacinto, a água de colónia da Drogaria Mimosa.
Os 5 e os 7 da 107, ou outros livros do Silva Santos.
Claro que o papel dos presentes era todo reciclado, mesmo o pardo, quanto mais não fosse para o presépio do ano seguinte.
E … a Missa do Galo e o Padre António Emílio… Ah…e o inesquecível Padre Renato, que ouvia música clássica e Zeca Afonso lá em casa.
Nas férias de Natal havia sempre tempo para um filme no Salão Ibéria ou, que alegria, os camarotes do Pinheiro Chagas, para onde levávamos o pão com a marmelada feita no Outono!
Foram boas memórias que me permitiram, nas últimas Autárquicas, propor para o Junta do Pópulo uma Freguesia Smart, moderna, cozy.
As tradições não nos devem prender no saudosismo estéril, dão-nos asas para ir mais longe!

Margarida Varela
margaridavarela13@gmail.com

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