Muni-me de um pico de auto estima que, animado pela imberbe experiência na cerâmica e talvez pelo excesso de confiança inflado pelo prémio no Concurso de Design de Caldas da Rainha, me destinou bater à porta da SECLA.
Comigo levava uns “plotts” executados pela impressora high-tech da época, de um projeto concebido através de pioneira ferramenta disponibilizada num decisivo curso que frequentara no Cencal.
Teria eu uns vinte e picos anos, a idade de partir a louça toda, com escassa consciência de ser uma pouca de gente na cerâmica, mas com um desmedido deslumbramento pela aprendizagem informática e sectorial ali proporcionada.
Vivia em permanente estado de exaltação pela novidade e a crença ingénua em que no mundo só existiam pessoas prontas para fazer singrar o meu entusiasmo.
No caso, a certeza de querer irromper uma oportunidade para materializar o design “sangue na guelra” a submeter às edições seguintes do tal concurso.
Com a audácia característica de quem tem pela profissão escolhida o furor suficiente para dissimular a timidez com falta de modéstia, fiz-me acolher pelo caloroso Pessoa de Carvalho que prontamente me concedeu o privilégio de penetrar no “curral”, o gabinete de modelação onde o projeto se enformou e através do qual me foi possível todas, até hoje insuperáveis, possibilidades criativas.
E foi assim que, pouco tempo depois, pude dar forma à vida profissional imaginada no gabinete de Design da Secla, fundado pelo diretor geral, Corrêa de Sá, que nos anos 90, anteveu na inovação pelo design a progressão dos produtos fabricados na cadeia de valor.
Homem de insondado mérito de quem dependeu a fase mais auspiciosa da Secla edificada sob a sua liderança. Teve a coragem da mudança, investindo em tecnologia para a modernização da Secla2, liderando o processo de conversão necessário ao melhoramento da matéria-prima e que levou a bom porto a construção da terceira unidade fabril. Caso raro no investimento nos ativos intangíveis, orgulhoso da criatividade nacional, foi precursor na alteração do paradigma da fábrica fornecedora de bens de consumo para o da produção de “produto próprio”, segundo a sua própria expressão.
Em estreita ligação ao departamento comercial, liderado por Francisco Vogado que com sensibilidade e empenho foi determinante para impor, partindo do zero, 10% de design concebido internamente.
Granjeou-se nesse período o reconhecimento a nível internacional como fabricante inovador atento à produção cultural, distanciado da imagem fortemente ligada à subcontratação, pela qual este subsetor é, geralmente, conhecido.
Com o desenrolar da vida profissional fui aprendendo que afinal o nosso sucesso depende, em grande medida, talvez demasiadas vezes frustrado, de com quem nos cruzamos. Decorre da cultura individual de cada empresário, mas sobretudo da generosidade com que se apanha o outro.
Sendo irrepetível o espírito da SECLA existiu, e integra um conjunto de memórias do passado partilhado, consciente de uma experiência identitária vivida e até tornada mito pela comunidade caldense, por ter sido determinante para o desenvolvimento do território. Foi o lar comum, o Seclar, de tantas pessoas e, por isso, o centro material dessa memória coletiva a valorizar pela preservação.
Não pela demolição para a edificação de outro mais “coisa nenhuma de lugar”.
Julgo que a petição que corre localmente devia transformar-se num grito nacional contra o nico de profissionalismo dos “empresários-venha-a-mim” agora, imediatamente e já!
(continua)