Depois de «Lábio cortado» (2009), «Caderno de Milfontes» (2012) e «Leis da separação» (2013), o poeta Rui Almeida (n.1972) que coordena o Blog «Poesia distribuída na rua» regressa à edição em livro com este «Temor Único Imenso».
Em Poesia o acaso não existe mas por acaso o livro mais recente que li e anotei neste espaço («Sem prazo de validade» de José Correia Tavares) inclui o poema escrito na morte de Carlos de Oliveira (1.7.81) com referência a um verso de Sá de Miranda «o sol é grande, caem co´a calma as aves», verso esse que abre este livro de Rui Almeida. Outro dos poetas referidos por Carlos de Oliveira é Aragon que com humildade avisou: «car j´imite, tout le monde imite, tout le monde ne le dit pas». Aragon escreveu à maneira de Camões e Carlos de Oliveira trabalhou seu poema sobre o trabalho de Aragon, praticando assim uma dupla homenagem.
Toda a literatura é uma homenagem à literatura. No caso deste livro de Rui Almeida as referências são Jorge de Sena, Sá de Miranda, Ruy Belo, Gastão Cruz, Luiza Neto Jorge e Fiama Hasse Pais Brandão. Este livro integra 29 poemas de 10 versos e um de 9 versos mas a aves que o povoam são mais do que pássaros vivos pois são metáforas do Homem, do Mundo e da História. Porque ao conceito de «ave» se junta a ideia de «viagem» e «vagabundagem»; não por acaso em muitas aldeias portuguesas nos anos 50 se chamava «ave» a quem aparecia na povoação por pouco tempo.
Como no poema da página 1: «Eram de novo as aves e morriam / Doutras armas porém do mesmo modo / Eram de novo e era de novo outono». A sobrevivência das aves e também do Homem está no poema da página 8: «Diante das aves caem migalhas / Silenciosos pedaços do mundo / A prometer sustento. Para as aves / Fazem parte da existência, do / Convívio com tudo o que existe sempre». O futuro está nos ovos das aves e nos sonhos dos Homens como no poema da página 14: «De um lado ao outro aves se aproximam / Dos territórios onde vão nascer / Suas crias, aves novas, libertas. / Dentro do ovo de que nascem, aves / Transformam-se em matéria que será / Corpo alado, representação de / Vida emergente a deixar-se voar / Para outros territórios distantes / De onde se deslocam novas aves.»
(Editora: Labirinto, Design: Daniel Gonçalves, Coordenação: Victor Oliveira Mateus, Colecção: contramaré)
José do Carmo Francisco