Alberto Costa
advogado
Portugal faz parte dos países que adoptaram medidas legislativas contra os malefícios para a vida democrática decorrentes do desempenho de cargos locais e regionais pelos mesmos titulares, ininterruptamente, por períodos muito longos.
A lei de limitação de mandatos foi ainda bastante generosa para os imediatamente visados: vários deles puderam, sem problema, perfazer 28/30 anos (e até mais) de exercício de poder continuado no mesmo território. Quando finalmente produziu efeito pleno, só há menos de uma década, 160 presidentes de câmara e 884 presidentes de juntas não puderam voltar a candidatar-se aos mesmos cargos, por já terem – alguns há muito – excedido a sequência máxima de 3 mandatos prevista na lei. Estes números falam por si acerca dos “desempenhos longos” que se tinham afirmado sobre extensas parcelas do território.
Os malefícios que essa lei, hoje praticamente consensual, pretendeu afastar estão ligados a fenómenos de inter-ação pessoal (“personalização do poder”).
Em intervenções, entrevistas e debates recentes tem estado em causa um fenómeno aparentado mas algo diferente: o exercício do poder por um só partido por um período inusualmente longo, com supressão do princípio da alternância, essencial ao funcionamento da democracia (“mexicanização”).
Esse problema apresenta relevo máximo na esfera governativa, mas não tem, no plano nacional, um mínimo de actualidade entre nós. Basta dizer que até ao momento apenas um partido conseguiu, e só por uma vez, governar durante três legislaturas consecutivas. No último quarto de século, nenhum partido completou sequer duas legislaturas no governo.
Já no plano local e regional, a questão tem toda a pertinência. É o caso de municípios (e regiões) governados pelo mesmo partido durante, não uma, mas duas, três ou mesmo quatro décadas, sem interrupção. São situações onde, ao longo de gerações sucessivas, os poderes mais próximos do eleitor pertenceram sempre “a um partido só”, instalando-se progressivamente uma perceção local/regional donde está ausente ou muito diminuída a ideia da alternância.
Neste âmbito, têm sido identificados diversos “padrões de incentivos”, acentuados no caso dos desempenhos por parte de partidos com presenças muito prolongadas. Estão em causa ajudas, apoios, acesso a emprego, formas de gratificação e outros benefícios, direta ou indiretamente endereçados aos eleitores, por vezes através de estruturas presentes na vida local, que fazem o “linking” entre os eleitores e o quotidiano da atividade político-administrativo. Este fenómeno é detetável tanto no plano nacional como local e não é, obviamente, exclusivo de nenhum partido.
Ao contrário da questão dos “mandatos” – agora ultrapassada com a instituição da regra que proíbe ir além dos três mandatos consecutivos – este segundo problema (ou seja: “tempo a mais” já não concedido a pessoa mas a partido) não pode ser resolvido com a introdução dum limite legal. É da responsabilidade dos outros atores políticos (partidos, atuando isolada ou coligadamente, ou ainda candidaturas independentes) criar alternativas capazes de garantir a efetividade da alternância. Num Estado democrático de direito com o nosso, se o não conseguem só pode aplicar-se-lhes a velha máxima “sibi imputet”- o que equivale a dizer “queixem-se de si próprios”. ■