Pelo menos em anos recentes, na nossa Europa, não é frequente o eleitorado entregar 42% dos votos a um só partido em eleições legislativas: é mesmo um evento extraordinário. Vivemos tempos em que os fatores de diversificação e fragmentação parecem estar bem mais vivos do que os fatores de convergência e concentração – que em tão elevado grau se exprimem num resultado assim.
O facto de o partido vencedor e do primeiro-ministro António Costa estarem já no poder há seis anos só acentua a raridade do feito. Foi bem mais frequente ver lideranças políticas excecionais, noutros países, terem de lidar com resultados decrescentes, às vezes decepcionantes, antes de terminarem os seus ciclos governativos. Aqui temos justamente o contrário.
Esta poderosa demonstração eleitoral vem, pela primeira vez, pôr ao alcance de um líder do PS um exercício governativo de uma década – um período que permite deixar uma marca profunda no desenvolvimento do país, e a que até agora só acedera o PSD, com Cavaco Silva.
Coincidindo também com um período caracterizado pelo acesso a recursos financeiros excepcionais no quadro da União, a maioria estável agora conquistada representa a possibilidade de investimentos e reformas em falta poderem ser levados a cabo e, para além da recuperação da crise pandémica, ser cumprida uma verdadeira «agenda para uma década», como foi anunciado.
Num sistema constitucional como o nosso, um requisito político de grande relevância para o saldo a esperar dos nossos próximos quatro anos está conquistado. Em breve a divulgação do governo e do seu programa nos darão novas indicações sobre a gestão do capital democrático agora alcançado, abrindo-se perante o país um novo ciclo de responsabilidade política.
Das margens da Lagoa, é natural que olhe de mais perto a evolução da paisagem política no círculo eleitoral de Leiria. Afinal, foi aqui que fui eleito nas legislativas de 2005 (depois de em 1969 a minha candidatura pela Oposição Democrática ser excluída por determinação da Pide/DGS, um pormenor para os mais novos!) e é aqui que regresso agora como eleitor.
Prevalece a mudança. Pela primeira vez, de 1976 para cá, o PS obtém no círculo a maioria dos mandatos: até aqui vencera sempre o PSD. O Bloco de Esquerda deixa de eleger, como já há décadas acontecera com o PC. É a extrema direita (“Eu vou atrás de ti António Costa”…) que passa a assegurar, aqui, a eleição de um deputado. Estas são, contudo, tendências convergentes com um panorama a que já assistimos na Europa. Enquanto a dimensão da maioria de um só partido é um feito, pelo menos, invulgar na cena europeia, os demais traços da “modernização política” não surpreendem, apenas nos batem à porta com atraso. ■