Alice Vieira (n.1943) é reconhecida desde 1979 como autora de literatura infanto-juvenil mas este é um livro diferente no seu caminho de escrita. Esta poesia (o seu discurso) em nada tem a ver com o trabalho de ficção para crianças e jovens. Pode dizer-se que estes 34 poemas são uma poesia de circunstância. Sem dúvida, mas afinal toda a poesia nasce de uma circunstância. E oscila sempre entre a canção e a reflexão.
Como o poema «Ericeira», escrito na sombra de duas figuras – José Hermano Saraiva e José Cardoso Pires. Vejamos um excerto: «sabíamos as horas pelo uivo do farol e /havia um amigo que nos dizia que / aquela praia não tinha banhistas mas / apenas devotos e outro / encharcava-se em whisky e escrevia / romances de anjos que às vezes / vinham de avião e caíam nas rochas / para nos salvar»
Ou o poema inicial do livro sobre as palavras, seu destino e sua força: «e depois as palavras / morrem à toa / sem flores sem cânticos / sem missa do sétimo dia / e ninguém sabe para que serviram / se mataram quem não deviam / ou se ficaram entre / os intervalos do sono»
Ou também o poema do amor perdido: «esperar que voltes é tão inútil como o /sorriso escancarado dos mortos na / necrologia dos jornais / e no entanto de cada vez que / a noite se rasga em barulhos no elevador e / um telefone se debruça de um sexto andar / sinto que ainda aficou uma palavra minha / esquecida na tua boca / e que vais voltar /para/a /devolver»
Na viagem da vida («aprendi nas pequenas gares de província / a esperar comboios que não chegavam nunca») o passado vem de uma rejeição («não a quero») que o poema não esquece («todos aqueles que um dia decidiram / entregar-me ao vento cruel das / madrugadas de março») mas há nele uma janela para o futuro: «Mercúrio acompanha a / entrada do ano / indiferente / diurno e / masculino / por isso não se perca tempo com quem / não merece»
(Editora: Caminho, Capa: Heduardo Kiesse)Alice Vieira (n.1943) é reconhecida desde 1979 como autora de literatura infanto-juvenil mas este é um livro diferente no seu caminho de escrita. Esta poesia (o seu discurso) em nada tem a ver com o trabalho de ficção para crianças e jovens. Pode dizer-se que estes 34 poemas são uma poesia de circunstância. Sem dúvida, mas afinal toda a poesia nasce de uma circunstância. E oscila sempre entre a canção e a reflexão.
Como o poema «Ericeira», escrito na sombra de duas figuras – José Hermano Saraiva e José Cardoso Pires. Vejamos um excerto: «sabíamos as horas pelo uivo do farol e /havia um amigo que nos dizia que / aquela praia não tinha banhistas mas / apenas devotos e outro / encharcava-se em whisky e escrevia / romances de anjos que às vezes / vinham de avião e caíam nas rochas / para nos salvar»
Ou o poema inicial do livro sobre as palavras, seu destino e sua força: «e depois as palavras / morrem à toa / sem flores sem cânticos / sem missa do sétimo dia / e ninguém sabe para que serviram / se mataram quem não deviam / ou se ficaram entre / os intervalos do sono»
Ou também o poema do amor perdido: «esperar que voltes é tão inútil como o /sorriso escancarado dos mortos na / necrologia dos jornais / e no entanto de cada vez que / a noite se rasga em barulhos no elevador e / um telefone se debruça de um sexto andar / sinto que ainda aficou uma palavra minha / esquecida na tua boca / e que vais voltar /para/a /devolver»
Na viagem da vida («aprendi nas pequenas gares de província / a esperar comboios que não chegavam nunca») o passado vem de uma rejeição («não a quero») que o poema não esquece («todos aqueles que um dia decidiram / entregar-me ao vento cruel das / madrugadas de março») mas há nele uma janela para o futuro: «Mercúrio acompanha a / entrada do ano / indiferente / diurno e / masculino / por isso não se perca tempo com quem / não merece»
(Editora: Caminho, Capa: Heduardo Kiesse).