«Velhos são os caminhos» de José Correia Tavares
José Correia Tavares (1938-2018)) apresenta-se numa quadra da página 31: «Constando aí meus rigores / Tudo ciência de ouvido / Muitos e grandes autores / Emendei a seu pedido.» Este livro é especial porque integra uma epígrafe de J. Rentes de Carvalho do livro «Mazagran»: «É disso que quero que me guardeis, Senhor. Dai-me raivas. Mantende viva em mim a capacidade de me enfurecer. Deixai que continue a chamar as coisas pelo seu nome, a criticar sem medo, a rir de mim próprio, e livrai-me até ao último momento das aceitações que nascem com a idade.»
Esta capacidade (ironia) de rir de si próprio surge na página 22: «Sou um poeta menor / Flori mas frutos não dei / Talvez, sabendo-as de cor, / Por medo às tábuas da lei.» Noutra quadra se pode ler toda uma sábia acumulação da filosofia: «Na paixão mal conjugados / Os verbos não se entendendo / Tempos e modos trocados / Amar é viver morrendo.» Poesia que não se fecha em si mesma, há nela um olhar sobre o mundo e o tempo: «Um cigarro na caruma / Parecendo não dar guerra / Sem importância nenhuma / Fará arder toda a serra.» Uma quadra faz a antecipação do fim da vida: «Mãos dadas à minha volta / Quando partir, rumo aos céus / Eu preciso duma escolta / Para me encontrar com Deus.» A Guerra Colonial está sempre presente: «Perdi, quando tinha farda / Cristo num fio em Angola/ Resta-me o anjo-da-guarda / Mas não bate bem da bola.» Noutra quadra é a Vida que passa depressa: «As coisas são mesmo assim: / Tendo mais ou menos graça / Passou a vida por mim / Como o sol pela vidraça.» Mas, mesmo passando depressa, a Vida é povoada por filhos da mãe: «Todos uns belos sacanas: / Antigos seminaristas, / Em suas vidas, profanas / Ostentam de bispo as cristas.» Ou então por ladrões: «Tu sempre foste ladrão / Mas escapas, qual enguia / Se um de nós te põe a mão / Vais parar à enxovia.»
Entre o Mundo e a Vida, a voz do Poeta tudo regista, até um canto gregoriano: «O canto gregoriano / Que nos ares se levanta / Mesmo divino, é humano / Pois sai da nossa garganta.» Tal como regista a própria arte poética: «Há coisas essenciais / Para fazer um poema: / Alegrias, também ais / Seja lá qual for o tema.»
(Editora: Húmus, Prefácio: Lídia Jorge)