Depois do recente «Espaço livre com barcos» este «Uma claridade que cega» é o 17º título de Graça Pires num percurso iniciado em 1990 com «Poemas» – Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores.
São 25 anos de actividade poética e não surpreende quando o primeiro poema do livro refere o recomeço que, afinal, todo o poema acaba por ser: «Hesitantes, as palavras / procuram um ponto de partida / um recomeço».
Embora o poema eleve a voz do seu autor, é sempre o colectivo que se projecta: «Há por todo o lado palcos improvisados / onde, em bocas distorcidas, se anunciam / perigos e presságios, ameaças e avisos.» Já antes na página 8 surgira uma adversativa: «Evito que as letras ignorem o lume / perturbante onde podem arder os sonhos.» O poema não se fixa no presente, antes viaja pelo passado («Espreito pelos dedos a memória / mais longínqua da infância») pois sabe que o passado pode ser sempre revisto e é «tantas vezes vida, tantas vezes morte».
Não sendo esta uma poesia de púlpito ou de panfleto, não fica fora dela o registo veemente da grande dôr daquilo que muitos chamam «reajustamento» mas que é de facto, apenas e só, «empobrecimento». Assim: «Pesa-me no peito a fadiga das mãos / enrugadas e o choro silencioso / das mães com a fome no colo.».
O poema da página 29 dá origem ao título do livro: «As palavras, essas, / são arrastadas pelo vento / que geme nas montanhas / onde se pode olhar de frente / o imponderável declive da neve / que rasga no peito / uma claridade que cega».
Ao longo dos séculos a Poesia sempre chamou todas as coisas pelos seus nomes mesmo quando faz uma dupla inscrição entre vida e literatura como na página 54: «Para o Poeta João Rui de Sousa Quando o dia oferece à paisagem / todas as gradações da luz / a escrita não se fatiga nas palavras. / O poeta é então um artífice discreto / pressentindo no olhar, sem explicação / o manejo das mãos enfeitiçadas / pelo gesto acabado, a marginar um sonho.»
(Editora: Poética Edições, Colecção: Poesia)