«Dicionário do nosso falar» de Joaquim do Nascimento
Neste seu oitavo livro publicado Joaquim do Nascimento retoma o conteúdo do seu primeiro título de 2008 («Uma memória de Pereiros») no sentido em que este «dicionário» regista uma memória de saudades: «a igreja, o forno, a fonte da aldeia, o vinho novo, a azenha, as acácias, a oliveira do adro, a escola velha, a estrada nova, a curva-cega, o paredão do adro, o calvário, a aleluia de segunda-feira de Páscoa, a roupa a corar ao sol na lameira do Salvador, a imponência dos sobreiros, o campo da bola e tantas outras coisas…»
O dicionário tem 223 páginas e engloba 1197 palavras mais 259 expressões idiomáticas num total de 1456 entradas. A primeira palavra é abada («conjunto de coisas que se podem meter e levar no avental») e a última é zumba-catrapumba: «onomatopeia para imitar o ruído de alguém a cair ou de alguma coisa a ruir».
Mais do que um simples armazém de palavras, este dicionário acaba por ser também (e ao mesmo tempo) um inventário e um ensaio de antropologia. Nele surgem palavras com um sentido diferente daquele que existe na minha terra natal (Santa Catarina – Caldas da Rainha) e é o caso de «cieiro» – vento de Leste, seco e frio. Outras soam a familiares como por exemplo «chião» – carro de bois na linguagem infantil ou «picota» – burro de tirar água do poço. Sem esquecer «cabrada» – rebanho de cabras ou «taleiga» – saco pequeno de pano feito de retalhos. Ou ainda «almoço» – refeição tomada a meio da manhã e «coça» – pancadaria, tareia. No segundo caso temos a expressão «Só se perderam as que caíram no chão» que o livro define como sentimento de satisfação pela justeza de um correctivo aplicado a alguém ainda que de forma ilegítima ou por fim a palavra «guião» – «estandarte, grande bandeira que abria as procissões solenes, em volta do povo. O nosso guião era mais alto do que a igreja e, por isso, a sua vara se guardava estendida ao longo da nave. Depois de armado era encostado à parede exterior, ao lado da porta principal, onde aguardava a hora da procissão, não sem que entretanto os rapazes medissem forças e o passeassem à volta do adro. O nosso guião era de brocado rubro, com um cordão de duas borlas que dois homens seguravam para ajudar ao seu equilíbrio. Não era para todos levar o guião à volta do povo, do princípio ao fim da procissão, o que constituía uma afirmação de virilidade, como saltar de ponte ou mergulhar no açude do gato, mesmo sem saber nadar. Que terá sido feito do nosso guião que enfunava o pano ao vento ligeiro da Páscoa e quase voava como as caravelas de antanho ou como o rabelo lesto que desce o Douro, lá ao fundo?!»
(Edições COSMOS, Nota de contracapa: José António Fontão Tulha, Apoio: Associação dos Amigos de Pereiros, Junta de Freguesia de Pereiros e Município de S. João da Pesqueira)