O nosso Mundo é uma terrível máquina de esquecimento. As notícias de hoje matam as de ontem, nada existe de mais antigo do que o jornal do dia anterior. Em 1978 quando eu comecei a colaborar no «Diário Popular» ainda se chamava «historiador do quotidiano» ao jornalista, as notícias eram compostas a chumbo, os chefes de redacção usavam umas batas azuis por causa da tinta e do manuseio dos granéis nas mesas de mármore. Tudo isto para dizer que o trabalho de Margarida Gama de Oliveira é também uma batalha contra o esquecimento, revelando hoje (2015) um trabalho da dupla Óscar Leal e Cyríaco da Nóbrega publicando em folhetim num jornal de 1901. O título desse jornal semanário era «Sul do Tejo» e foi publicado no Seixal entre 1901 e 1902.
Descobrir, revelar e organizar uma narrativa dramática sobre o marinheiro da Ericeira que foi à Índia com Vasco da Gama e de lá voltou como segundo piloto, tal é o mérito deste trabalho hoje lançado para o Mundo hostil a tudo o que é memória permanecida. Há no gesto da organizadora deste volume um toque de altruísmo pioneiro. Oxalá possa ser este livro bem recompensado com a atenção pública que merece.
Se alguma coisa eu aprendi e guardei comigo a partir de 1978 quando fui aceite como colaborador do «Diário Popular» pelo saudoso Jacinto Baptista, foi essa ideia de que na chamada vida literária tudo é efémero e sujeito à erosão dos dias. Com esse homem sábio, discreto e incansável aprendi também que o cancro dos livros está no sub-mundo da distribuição porque os autores, os editores e os livreiros são os que menos ganham nas voltas que o livro dá entre a escrita, a impressão e o balcão da livraria. Mas os distribuidores, esses ficam com a parte leonina e não os escrevem nem os editam nem os vendem.
Mas voltando à ideia do efémero basta pensar que no tempo de Cesário Verde o poeta mais conhecido era Cláudio Nunes, no tempo de Eça de Queirós o mais famoso escritor era Pinheiro Chagas e no tempo de Camilo Pessanha o poeta mais popular era Augusto Gil. Esta é uma verdade que todos conhecemos e ninguém pode ignorar. Basta ler os jornais dessas épocas para se perceber a grande diferença entre ser conhecido e ser importante. Conhecido é quem anda nas bocas do Mundo, importante é quem acrescenta algo de valioso à Literatura (neste caso) e por isso fica na História com um lugar marcado. E apenas seu. Não comparo realidades mas o gesto de recuperar uma narrativa perdida no esquecimento e dar a conhecer, mais de cem anos passados, o conteúdo e a forma dessa aventura, coloca Margarida Gama de Oliveira num patamar de apreço pelo seu trabalho e pelo seu gesto. Pode discordar-se da manutenção de algumas palavras arcaicas mas o importante está feito: resgatar, do nosso tão português esquecimento, uma narrativa do século passado sobre a aventura no século XV de um certo Pedro Rainho, pescador da Ericeira.
(Editora: Chiado Editora, Capa: Vasco Lopes)