Em 1960, aquando da reedição da obra “Vida errada: o romance de Coimbra”, o Doutor Fernando da Silva Correia declara que esta constitui o primeiro volume de um “tríptico” que pretendia contar as “três vidas de Luís Augusto”. Às 17 horas de 9 de Janeiro de 1963, já reformado, o autor inicia a escrita do segundo volume, “Vida nova: o romance da guerra”, consagrando a sua vontade em dedicar mais tempo à escrita literária.
Neste segundo volume, encontramos algumas das personagens (fictícias, mas com modelos reais) do enredo do primeiro volume passado em Coimbra entre 1908 e 1917. Através desta obra e também do primeiro capítulo do segundo volume, conhecemos o contexto académico que Fernando da Silva Correia frequentou e as circunstâncias em que seguiu para França.
Na obra “Vida errada: o romance de Coimbra”, sabemos que “Luís Augusto fora também chamado e, depois duma breve escola de oficiais milicianos, viera para Coimbra esperar, com outros camaradas, ocasião de embarcar.” O primeiro capítulo do segundo volume, “A «Licença Funerária»”, apresenta algumas alterações em relação ao que o autor propunha em 1960: Luís Augusto é substituído por Alberto Aleixo como personagem central da obra. Este, alcunhado de Galeno (pseudónimo de Fernando da Silva Correia), é estudante de Medicina, o que nos leva a considerar este texto ainda mais auto-biográfico do que o primeiro volume do tríptico.
Em cinco páginas passadas em Coimbra, o autor descreve todas as preocupações de Alberto Aleixo em Dezembro de 1917, altura em que prepara a partida para a guerra. Além dele, encontram-se na mesma situação os condiscípulos António Gomes e Bernardo, ainda sem saberem em que unidade seriam incorporados.
“A sua vida até ali tinha sido descuidosa, sem ralações algumas que não fossem as das cólicas por ocasião dos exames, sem pensarem a sério no futuro, embora cada um tivesse um vago projecto (…).”
Menciona que uma das primeiras dificuldades a superar, mal receberam a ordem de mobilização, foi a necessidade de informar a família.
“De norte a sul do País e em todos os territórios ultramarinos sucederam-se durante todo aquele ano emoções idênticas, em que as reacções, prejuízos e por vezes os terrores variavam com as circunstâncias económicas do país, com as oportunidade de colocações que se perdiam, os concursos a que já não se podia ir, os compromissos [sic] sem possível reparação de alguns noivos apressados, os mil dramas domésticos sem hisztoria manifestados por uns em dificuldades financeiras, em aflições mudas de que ninguém podia calcular as verdadeiras causas, um desvairamento de alguns no suicídio duma ou outra rapariga, ao sentir que ia ser mãe.”
“A verdadeira mágua, oculta, cada um a recalcava e era durante as noites de insónia ou as labutas diárias que desfiavam o rosário dos riscos a que se expunha quem ia para a guerra.” Os soldados, enquanto se mantinham longe, preparam “blagues (…) para «animarem as famílias».” Luís Augusto já partira para a guerra quando os três jovens do enredo recebem a ordem de marcha a 1 de Dezembro de 1917, no dia 4 partem para Lisboa e chegam a Bailleul-sur-Thérain a 12 de Janeiro de 1918.
Os três condiscípulos entram no comboio que seguiria para Lisboa e Alberto profere a “frase macabra (…)/ – Tomem conhecimento de que a partir deste momento entramos no goso da «licença funerária»!”. Segundo a explicação dada a uma senhora com quem viajam, esta licença compreende o “tempo que precedia o embarque, iniciado com a ordem de mobilisação.” Durante a viagem Alberto conhece uma jovem do Porto que aceita ser a sua primeira madrinha de guerra. Chegados a Lisboa, instalam-se num “hotel da Baixa, onde aguardariam o dia da partida.”
Joana Beato Ribeiro
Património Histórico – Grupo de Estudos