Vem aí a carne assada!

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Com a estiagem dei por mim a pensar que, daqui para diante,  abrindo a campanha eleitoral, regressam os comícios e a sua “piece de resistance”, i.e. a carne assada.
Na meia dúzia de campanhas em que me envolvi, no meu distrito,
não me lembro de jantar comício sem a dita cuja!
Arrisco uma “verdade lapalissiana” – parece que está na moda. Tudo começa com uns salgadinhos, para entreter antes de começar o serviço, que inclui a sopinha, a carninha e a sobremesa.
Ao que julgo saber, tal “verdade” não existe e o referido, que tombou na batalha de Pavia, não teria dito nada assim. O equívoco tem a ver com um erro na inscrição da sua pedra tumular: “aqui jaz o Senhor de La Palisse, que, se não estivesse morto, ainda faria inveja”. Como está escrito ”en vie”, separado, e não junto, surgiu a primeira verdade de La Palisse: se não estivesse morto, ainda estaria vivo.
Voltemos à vaca fria que, neste caso, é quase sempre lombo de porco, assado.
Gostos são gostos, mas confesso que não percebo a razão da escolha da peça porcina.
É, talvez, porque o lombo é mais “vistoso”, embora a pá ou o cachaço, que prefiro de longe, sejam mais gostosos (ou sápidos, como escreveria o José Quitério, de quem continuo fiel admirador).
O acompanhamento varia entre uma dose maciça de hidratos de carbono: batata e arroz, ou só a primeira, à padeiro.
Como sobremesa lá vem o pudim flan, cuja versão bastarda, será o El Mandarin, que se comprava quando se ia a Badajoz.
Devo reconhecer que pelo preço do serviço, arredondado para cima, para constituir uma pequena receita extra para o partido, não se pode exigir mais.
Tudo isto me conduz ao “passado” carneiro com batatas do séc. XIX, almoço/paga aos fregueses que, acaudilhados pelo regedor, munido de varapau, os conduzia a cumprir o seu “mister” de eleger um qualquer desconhecido, “botando” o seu voto, segundo “as instruções” do dito do varapau.
Cumprida essa obrigação cívica tinham “direito” a uma refeição de carneiro com batatas, espécie de recompensa pelo “serviço” prestado. Se, infelizmente, há tanta realidade, igualzinha, a separar os 150 anos decorridos, aqui a coisa difere: antes a paparoca era paga de voto no candidato “certo”, hoje paga-se na “preparação” para o voto.
Já havia referido esta realidade num artigo que a Gazeta publicou em Outubro de 2013.
Mas o autor do Zé das Papas, Rafael Bordallo Pinheiro, que inspirou o título das minhas “crónicas”, fê-lo bem antes (in Pontos nos ii a 18/11/1886):
“O eleitor vende-se, é enganado, «apalpa o chão com as costelas» e volta a vender-se. Porquê? É que «o eleitor é como os carneiros de Panurge: atira-se para a urna inconsciente, indo atrás do choro d’um emprego ou de uma promessa (…). Quando os ventos mudarem e os donos d’agora queiram segurar os últimos carneiros suceder-lhes-á fatalmente marcharem com eles para o abysmo…».
Nota “tradutória”: a imagem, referida por Rabelais no séc. XVI, significa um indivíduo que segue cegamente os outros sem medir as consequências.
Rabelais bem que merece uma crónica, ou mais.

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