A escrever-vos de Maputo a primeira conclusão é que de Maputo vou escrever, sobre Maputo-Lourenço Marques- Xilunguíne – nome ronga e título de um livro do historiador Alexandre Lobato sobre a fundação da cidade.
Cidade que é a minha infância-adolescência e a que regresso sempre, em sonhos ou em corpo presente – eu, que me nomeio afro-alentejano nascido em Lisboa e com ascendência andaluza e estremanha, sinto-me daqui quando aqui estou – desta feita para realizar um exercício-espectáculo a partir de Peter Weiss – o do Canto do fantoche lusitano que as Caldas tão bem conhece – e José Craveirinha, o grande poeta Moçambicano, prémio Camões.
A realidade impõe-se, um regime de excesso marca os minutos, os segundos, os instantes, o que olhos e ouvidos alcançam e o que nos entra pela pele antes de controlo neuronal integrado, pois os cheiros são mais fortes que os ficheiros mentais, assim como os ritmos e cores, objectos e modos de habitar o todo em toda a parte que o espaço possa oferecer – não há vazios onde descansar a vista, um real cheio de elementos, fenómenos de epifenómenos, faz o pleno, os pontos de fuga morreram.
A cada momento salta qualquer coisa para cima das nossas antenas e apaga o que era panorâmica, as panorâmicas são engolidas pela profusão de primeiros planos súbitos, que entram de chofre, todo o espaço está cheio de tudo, jipes de feitio transatlântico, passeios sem corredores para os peões, semáforos intermitentes de todas as cores, sapatarias e livrarias na berma da estrada, lojas de roupa penduradas em árvores generosas, ruído por todo o lado e no meio disso gente, gente a correr, gente sentada no chão, mamanas a fazer maçaroca no carvão, vendedores de amendoim, free-lancers de queques e acarajé local, reboques com fruta sul-africana a sair pelas bordas, ananás, bananas, mangas, peras, maçãs, laranjas, mandiocas, batata doce, alface, etc. E casas dentro de grades de ferro, de modo generalizado. Mas também acácias, ainda por florir ou floridas, em idade avançada – já constavam da poesia de Rui Knopli, antes de Abril, as famosas acácias rubras, explosão de cor sobre a terra vermelha das formigas cadáver, únicas como os gala-galas, bichos nacionais.
Isto quer dizer que a intensidade das coisas, a força do que envolve e condiciona, determina o olhar, mas fundamentalmente faz a sensação vencer o juízo frio – somos transportados na dança dos corpos e dos olhares.
E essa intensidade está nos passeios, nas árvores, nos corvos oportunistas, na gincana do trânsito sem parar, nas armadilhas do betão, nos vendedores de rua agora sinalizados comerciantes, com o seu número, para que a taxa – aquele fenómeno a que os que têm muito escapam e que os que não têm nada pagam – não faleça solteira.
Extraordinário mesmo é parar o meu Land Rover/anos setenta, 5 metros de carrão com chaminé e tudo, ao deparar-me com o inexplicável: um semáforo com sinal vermelho intermitente.

Fernando Mora Ramos
fernando.mora.ramos@gmail.com