“Vou trabalhar pela exclusividade facultativa dos médicos, adequadamente remunerada”

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Rafael Henriques elege a habitação como a prioridade mais emergente

BE O investimento na habitação é, segundo o candidato do Bloco de Esquerda (BE), uma questão emergente. Se for eleito, promete ainda defender o SNS e a valorização dos seus profissionais

 

Das três grandes prioridades elencadas pelo BE – habitação, educação e saúde -, qual é para si a mais emergente?
É a habitação por tudo o que implica. Ninguém pode trabalhar se não tiver uma casa para viver, ninguém pode garantir alimentação cuidada para a sua família se não tiver uma habitação digna. É impossível ter saúde e qualidade de vida se não tiver uma habitação. É um aspeto basilar. Aquela que me é mais cara e pela qual quero lutar de forma mais vincada é a saúde, mas a emergência é a habitação.

Como propõe o BE intervir?
Há um conjunto de medidas que têm que ser equacionadas e procuram responder a grupos específicos. Por exemplo, pensando nos estudantes, criar residências universitárias idealmente gratuitas ou com preços acessíveis, em volume necessário para acomodar os estudantes que entram no ensino superior e para que as famílias consigam comportar esses custos. Depois, criar habitação pública, e não estamos a falar de habitação social. O parque habitacional público é muito pobre em Portugal e é necessário garantir que 25% da nova construção seja dedicada à habitação a preços acessíveis. Além disso, o alojamento local tem que ser limitado onde existe uma grande pressão sobre o imobiliário para não inflacionar o preço das casas. Outra proposta passa por limitar a subida do valor da renda, e o Estado deve investir, no âmbito do Orçamento do Estado, na reabilitação de casas, porque o edificado existe, há muitos fogos abandonados, incentivar a reabilitação, e construir onde existe carência.

Depois dos professores e dos médicos, protestam agora os polícias, os bombeiros e os agricultores. É sempre uma questão de dinheiro?
Naturalmente. A precarização é transversal à função pública. Claro que se fez, e bem, o reforço do salário mínimo, mas ainda é pouco. É, por exemplo, difícil perceber como é que se vive em Lisboa com um salário inferior a mil euros por mês. É impossível. É preciso entrar no multitrabalho, devíamos pensar num trabalho para viver e não em dois ou três trabalhos para sobreviver. E isto para nós é grave.

No que toca à saúde, faltam médicos em Portugal ou estão mal distribuídos?
Os médicos faltam no Serviço Nacional de Saúde. Essa é a resposta crua e imediato e o grande problema é a falta de salário e de perspetiva de carreira. E se [o salário] é baixo para os médicos, para os enfermeiros e os outros profissionais é ainda mais baixo.

Se for eleito, qual será a sua primeira intervenção?
Será ao nível do SNS, seguramente. As medidas que foram aprovadas pelo Governo em novembro para a instituição das ULS e das USF não vêm resolver os problemas. Irão até agudizá-lo de alguma forma. Porquê? Prevê-se que 2024 seja o ano de maior número de reformas de médicos. Se já estamos sobrecarregados, os profissionais que persistem com energia no SNS e já estão a trabalhar em esforço vão ser ainda mais sobrecarregados. A minha proposta é trabalhar para garantir que haja exclusividade facultativa para os profissionais de saúde que assim o entendam, não obrigatória, e, claro, adequadamente remunerada, com aumento de 40% para esse salário. Penso que não será a panaceia para resolver os problemas do SNS mas será um bom ponto de começo, e claro, construir todos os outros serviços que são necessários no SNS ao nível da medicina dentária, psicologia, nutrição.

Os partidos da direita têm conquistado espaço em Portugal e na Europa. A esquerda tem alguma responsabilidade nisso?
Mais do que a esquerda, é de 50 anos de dois partidos que governam ao centro sem transformar o país, sem explorar o potencial enorme que temos, e vivemos uma realidade que está dependente de governos que são rotativos e são duas faces de uma mesma moeda. Muda o partido, mas as políticas não mudam. E aí é que o BE pode ser uma força importante para pressionar o PS a governar à esquerda. Mesmo à direita, assistimos a uma dispersão do voto nos dois novos partidos, é sinal disso mesmo. Há uma frustração das novas gerações que não têm memória epidérmica do 25 de Abril, que assistiram a todo um ideário, ao sonho que era de vivermos num país livre, democrático, próspero, e que estão desiludidos. Estas eleições são muito importantes. Vai ser o grupo parlamentar que vai comemorar os 50 anos do 25 de Abril. E é importante fazer uma reflexão do que foi feito nestes últimos 50 anos, qual é o ponto de situação e o que é que temos que fazer para mudar.

Várias polémicas têm envolvido PS e PSD. Isto poderá beneficiar outros partidos?
Aí, a minha vivência enquanto médico de família é fantástica. Eu lido todos os dias com pessoas de todas as idades e elas comentam e várias dizem que, quando votam, votam numa forma de protesto. Não é que se identificam com as políticas. Por isso é que nós, à esquerda, temos de ser capazes de dar esperança e ter um projeto que seja mobilizador. Não acredito nas sondagens que dizem que a extrema-direita, o partido Chega, terá aquele volume de votos – 21% segundo o último trabalho de opinião. Ainda me lembro das últimas eleições, fui ler os programas políticos e o que foi apresentado pelo Chega tinha nove páginas, dizia muito pouco e está em contradição com propostas que defendem agora. É um catavento, apenas.

Admite uma coligação com o PS se ele vencer sem maioria?
À direita naturalmente que não, mas à esquerda existe sempre essa possibilidade, tem de ser é construtiva e com base em propostas. Havendo propostas para responder à crise da habitação, à falta de resposta do SNS, à sobrecarga que se vive no sistema educativo, naturalmente que sim. Se não for para resolver estas questões, é impossível haver um acordo, tem de haver aqui um encontro.

Vai deixar a sua atividade profissional como médico de família se for eleito?
Foi um dos grandes problemas com que me debati antes de eu aceitar ser candidato. A falta de médicos é importante e, como disse, não são só 40 horas de trabalho, são 50, quando não são 60 semanais, e é preciso uma grande disponibilidade. Se for eleito, irei trabalhar como faço no meu trabalho normal, fazendo a minha parte, estudando os temas e garantindo que consigo dar a resposta necessária e não poderei trabalhar cumulativamente nos dois sítios.

Martine Rainho – Entrevista conjunta REGIÃO DE LEIRIA/GAZETA DAS CALDAS

Perfil

Médico de família em Leiria, onde reside há três anos, Rafael Henriques é delegado sindical e membro da direção do Sindicato dos Médicos da Zona Centro (SMZC). Natural da Lousã, cresceu no seio de uma família numerosa, tendo, como conta, sempre beneficiado de apoio escolar. Ele que diz “acreditar no estado social” como uma hipótese de jovens com menos recursos estudarem e que sempre se identificou de esquerda, foi membro da JS. Desfiliou-se, contudo, quando percebeu, durante a pandemia, que “havia um paradoxo entre aquilo que era dito pelos governantes, na altura do PS, com aquilo que nós vivíamos”. Aderiu ao Bloco de Esquerda em junho de 2021, tendo concorrido nas autárquicas à União das Freguesias de Parceiros e Azoia.

 

Lista do Bloco de Esquerda pelo círculo eleitoral de Leiria

1. Rafael Henriques (33 anos, médico de família, Leiria)
2. Lina Oliveira (55 anos, professora, Pombal)
3. Frederico Portugal (24 anos, operador de loja, Leiria)
4. Telma Ferreira (37 anos, artista plástica, Nazaré)
5. Carlos Ubaldo (59 anos, professor, Caldas da Rainha)
6. Maria Cavalheiro (19 anos, estudante na ESAD, Pombal, independente)
7. Nuno Machado (50 anos, chefe de turno, Marinha Grande)
8. Gil Ensinas (67 anos, docente, Nazaré, independente)
9. Célia Cavalheiro (52 anos, engenheira civil, Pombal)
10. André Ramalhais (30 anos, músico, Pombal)