À laia de apresentação
Tive o privilégio de ver a Gazeta aceitar o meu propósito de, aqui e ali, com a regularidade possível – quer para o espaço disponível do jornal , quer para os neurónios do escriba – iniciar colaboração despretenciosa sobre a culinária portuguesa, conceito que prefiro ao de gastronomia.
Julgo ter sido aqui nas Caldas que Rafael Bordallo Pinheiro criou o boneco “Zé das Papas”, em boa hora aproveitado como símbolo do Festival de Gastronomia de Santarém e que me proponho adoptar para as palavras que vou passar a escrever.
J. R.
Tudo começa na cozinha!
Como divisão própria para a transformação de matérias primas em alimentos, a cozinha remonta ao sec. V a.C. e tem carácter religioso, pois é naquele mesmo local que se presta culto aos deuses domésticos os lares romanos.
É longa a evolução, mas os momentos fundamentais para a cozinha actual são, já no sec. XIX, os do aparecimento da bateria de cozinha, do forno e do fogão: a cozinha torna-se, para os grandes chefes, num verdadeiro laboratório! (e ainda hoje se mantem, veja-se, entre outros o exemplo do catalão Ferran Adriá e do seu EL Bullit )
As receitas do romano Apicius, a influência da igreja com as suas abadias e mosteiros e a imposição do jejum, a abertura ao Mediterrâneo, a criação das cidades e o desenvolvimento da burguesia, as festas da renascença e a influência italiana (até Leonardo da Vinci nos deixou apontamentos de cozinha), o aparecimento das especiarias, do café e do chá foram sendo, entre outros, pequenos passos que permitiram chegar-se onde se chegou
Este caminhar civilizacional centrou-se na Europa, região onde, ao longo dos séculos, “tudo” se passou e de que a França é o centro geográfico.
E por cá?
Não se pense, contudo, que a cozinha portuguesa é parente menor!
Escreveu Oleboma (António Maria de Oliveira Belo, um engenheiro químico fundador, nos anos 30 do séc. passado, da Sociedade Portuguesa de Gastronomia) que “a cozinha portuguesa é saborosa, higiénica, substancial e muito característica. As matérias primas empregadas são culináriamente perfeitas. A condimentação é variada mas sem exageros”
A cozinha portuguesa é, também ela, cozinha de fusão, fusão de todas as influências deixadas pelos que por cá habitaram e das que trouxemos, deste nosso fado de andarilhos do mundo.
João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com