“Nós temos hoje um sistema de governo que está completamente dominado pela corrupção”

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Antes do início da sessão, Luís e Teresa Serrenho, do Movimento Viver o Concelho, mostraram a Gazeta das Caldas ao convidado

“A política em Portugal transformou-se uma mega-central de negócios”. As palavras foram proferidas pelo professor universitário Paulo Morais durante o encontro organizado pela associação Movimento Viver o Concelho, que decorreu a 21 de Janeiro na Biblioteca Municipal das Caldas da Rainha e que foi dedicado à corrupção.
E o que é a corrupção? “É a riqueza que se transfere da mão de todos para o bolso de alguns”, definiu de uma forma simples.
Paulo Morais, professor universitário e dirigente da dirigente da organização Transparência Internacional em Portugal, foi convidado para falar sobre este tema “que, infelizmente, está muito actual”, referiu Teresa Serrenho, presidente do Movimento Viver o Concelho. “Queremos despertar a massa crítica das pessoas e cada um de nós deve fazê-lo nas conversas do dia-a-dia”, afirmou.
O convidado começou por falar na mediatização excessiva deste tema que tem a ver com “uma maior consciencialização da opinião pública” .
Segundo o professor universitário, “quando se diz que a corrupção tem vindo a aumentar, isso é muitas vezes contrariado, normalmente pelas pessoas do sistema, que dizem que isso se deve a uma maior atenção dos jornais” a este fenómeno.

Paulo Morais foi vereador na Câmara do Porto, é professor universitário e dirigente da organização Transparência Internacional em Portugal

Segundo um estudo da Transparência Internacional, 83% dos portugueses acha que a corrupção tem vindo a crescer em Portugal.
Na última década o país desceu 10 lugares no ranking do Índice de Percepção da Corrupção e está agora em 32º lugar, sendo o pior classificado a nível europeu. “Não há memória de um país ter descido tanto”, salientou Paulo Morais.
Na sua opinião, há duas consequências graves neste crescimento: a imediata, ao nível do regime, e a de futuro, relacionada com o desenvolvimento do país.
O responsável nacional da Transparência Internacional acha que o problema é sistémico e impede uma vivência normal em sociedade actualmente, mas também impede que Portugal se desenvolva.
“Se compararem os números de desenvolvimento humano das Nações Unidas com os dados anuais de corrupção a nível mundial, estes mapas são exactamente iguais. Os países mais corruptos são os menos desenvolvidos”, afirmou.
É por isso que acha essencial combater-se a corrupção de forma a potenciar o desenvolvimento do país. “Se a corrupção se mantiver em Portugal, o desenvolvimento nunca cá chegará”, disse.
Para Paulo Morais, em Portugal “há uma tentativa de se desculpabilizar a corrupção”, o que acha ser perigoso. “A causa da pequena corrupção está na grande corrupção” e por isso acha que o exemplo deve ser dado pelos

A sessão sobre corrupção foi muito participada
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que estão nos cargos superiores. Os maiores corruptos “tentam desculpabilizar-se porque dizem que o povo português gosta assim, mas isso não é verdade”. Até porque isso notório no facto dos emigrantes portugueses não serem conhecidos por serem corruptos, mas sim por serem bons trabalhadores.
Paulo Morais foi vice-presidente da Câmara Municipal do Porto no primeiro mandato de Rui Rio naquela autarquia. “Eu só aceitei fazer parte da lista porque tinha a certeza que iríamos perder e também na altura devo ter sido convidado porque era para perder as eleições”, disse. Na altura toda a gente esperava que Fernando Gomes fosse reeleito na autarquia portuense.
Sobre esse período, garante que dá a cara por todas as decisões que tomou e que está disponível para qualquer denúncia sobre o que foi feito nessa altura.

As grandes sociedades de advogados que criam legislação

Ao referir-se ao governo, Paulo Morais quis referir-se aos executivos que têm passado pelos destinos da nação embora sem citar nenhum em particular.
“Supostamente, se isto fosse uma democracia a funcionar, deveríamos ter um poder executivo, feito pelo governo, legislativo, feito pelo parlamento, judicial, feito pelos tribunais, e depois o Presidente da República, que deveria garantir que isto tudo funcionava”, referiu.
Só que “o Estado tem um peso enorme na economia e é através do Estado que se decide quem pode ou não ganhar dinheiro”, assinalou, exemplificando casos como a venda de parte do capital da EDP e decisões ao nível de investimentos.
“Sempre que começa uma sessão legislativa, o parlamento reúne-se e dá autorizações legislativas para o governo decidir sobre as mais variadas coisas”, explicou, acusando a Assembleia da República de alienar-se do poder de fazer legislação.
“As pessoas que estão dentro do parlamento fazem parte dos vários rebanhos partidários e estão ali apenas para fazer o que os pastores lhes mandam fazer”, afirmou.
Outro problema, na opinião de Paulo Morais, é que os governos recorrem às grandes sociedades de advogados para fazerem a legislação. São estas empresas que fazem legislação sobre obras públicas, ordenamento do território, urbanismo, contratação pública, entre muitas outras matérias decisivas.
“As questões que têm a ver com pouco dinheiro podem ficar para a democracia, mas as questões que têm a ver com muito dinheiro vão para estas sociedades de advogados”, ironizou.
Segundo Paulo Morais, a forma de actuar é a seguinte: “fazem sempre muitas regras, para ninguém perceber nada, muitas excepções, para favorecer os amigos e nessas leis permite-se um enorme poder discricionário a quem aplica as leis”.
Desta forma, estas empresas ganham dinheiro a fazer as leis, a dar pareceres sobre as leis confusas que fizeram e “mais grave, essas grandes sociedades de advogados vão vender aos privados os ‘alçapões’ que introduziram nas leis” explicando os métodos que podem utilizar para as contornar.
Para Paulo Morais, um grupo económico que seja assessorado por bons advogados “faz o que lhe apetece em Portugal”.
Em relação à Assembleia da República, disse que os deputados que “não sabem o que andam lá a fazer, são os melhores” e que os que sabem “andam a fazer negócios”.
O orador disse ainda que em Portugal vive-se uma situação única na Europa, só comparável ao que se vivia em Itália antes da operação Mãos Limpas (uma investigação judicial de grande envergadura naquele país que visou esclarecer casos de corrupção durante a década de 1990).
Para reforçar a sua afirmação, deu alguns exemplos, como o facto de mais de 50 deputados na Assembleia da República serem consultores ou administradores de empresas que têm ligações directas com o Estado e dos elementos da comissão que acompanham a missão da troika em Portugal também terem alguns interesses empresariais.

“Onde a corrupção é mais dramática nas câmaras é na gestão urbanística”

Em relação ao poder local, Paulo Morais considera que os maiores problemas prendem-se com a falta de transparência e com o urbanismo.
“As pessoas normalmente não sabem para que é que servem as autarquias. Nem os cidadãos, nem as pessoas que lá estão”, afirmou.
O ex-autarca acha que as câmaras não cumprem as suas principais tarefas, como o ordenamento do território e a gestão do espaço público. “As pessoas querem ter uma cidade segura, iluminada e agradável, mas nós não temos isso e pagamos para isso”, referiu.
Tendo em conta o que cada cidadão contribui financeiramente para a sua autarquia (em média cerca de cinco mil euros anuais, segundo Paulo Morais), acha que estes se deviam informar mais do que fazem as câmaras com o seu dinheiro.
“Onde a corrupção é mais dramática nas câmaras é na gestão urbanística”, considera o especialista.
O pelouro do urbanismo deve ordenar o território em função do interesse colectivo (elaborando planos), fazer a gestão urbanística (licenciamentos) e fiscalizar.
Paulo Morais entende que em Portugal o planeamento que se faz é quase uma operação de bolsa, em que os proprietários dos terrenos tentam fazer pressão sobre as câmaras de modo a valorizá-los.
“Todos os casos de corrupção conhecidos em câmaras são relacionados com urbanismo”. O que normalmente acontece, é que terrenos onde não é possível construir, por serem Reserva Agrícola, por exemplo, são vendidos baratos e depois “passam para a mão de pessoas que influenciam o poder autárquico local e conseguem alterar o PDM (Plano Director Municipal)”. Um terreno onde só se poderia fazer agricultura, pode assim servir para construir um edifício.
“Com terrenos que valem 50 mil euros e passam a valer 500 mil, estamos a fala de margens de lucro de mil por cento. Só o tráfico de droga e o urbanismo é que dão margens de lucro de mil por cento em Portugal”, comentou.
Na sua opinião, os PDM são demasiado confusos “e só políticos, promotores imobiliários, engenheiros, arquitectos e construtores conseguem entrar numa discussão sobre o PDM”.
Segundo Paulo Morais, noutros países estes processos são muito mais simplificados e transparentes. Por outro lado, também há consequências graves quando não se cumprem as regras urbanísticas, ao contrário do que acontece em Portugal.
Na gestão urbanística acontece que muitas vezes os grandes promotores imobiliários apresentam projectos que não cumprem as regras de planeamento e entram numa negociação jurídica interminável, que “na maioria dos casos” só acaba quando conseguem fazer o que querem. “É perceptível do ponto de vista deles, mas não é perceptível que o poder político e os técnicos das câmaras estejam de cócoras perante os interesses dessa gente”, afirmou.
O ex-vereador acha que não existe verdadeiramente fiscalização nas autarquias portuguesas porque esta é muito sistemática e previsível. “Mesmo numa casa de um particular, é habitual fazer-se a vistoria e a seguir ainda se fazem os ‘acabamentos’ numa casa”, explicou.
Segundo os seus cálculos, há milhares de prédios, só na zona da Grande Lisboa, em que os promotores imobiliários nem sequer cumprem a zona de implantação dos edifícios, ganhando com isso muitos metros quadrados de construção.
Para o palestrante, a solução passaria por tornar a legislação e os instrumentos de ordenamento mais simples. O processo de licenciamento deveria de deixar de ser “uma negociação entre a câmara e o promotor”, sendo este último obrigado a – simplesmente – cumprir a lei. A fiscalização deveria passar a ser aleatória, tal como acontece na fiscalização rodoviária.
A nível nacional teria de haver uma estratégia global de combate à corrupção que passasse pelo aumento na transparência da vida pública, pela simplificação legislativa, por uma maior eficácia do poder judicial e criando mecanismos que obriguem a ressarcir a comunidade quando se cometem ilegalidades (“ir buscar os bens aos corruptos e devolvê-los à sociedade”).
Paulo Morais entende que as pessoas não participam mais na vida dos partidos porque são afastadas por aqueles que querem manter os seus negócios e isso começará no poder local. “É um poder que está bem acima dos partidos”, disse.
A Transparência Internacional em Portugal tem um sítio na Internet (www.transparencia.pt).
A iniciativa “21 às 21” regressa em Março (em Fevereiro não há nenhuma conferência por causa do Carnaval) com o frei Fernando Ventura.

Deputado Manuel Isaac esclareceu situação profissional

O deputado caldense Manuel Isaac quis confrontar Paulo Morais com suspeitas que este terá lançado sobre a sua actividade

O deputado caldense Manuel Isaac esteve presente na conferência organizada pelo Movimento Viver o Concelho para esclarecer Paulo Morais sobre a sua participação na comissão de Agricultura da Assembleia da República, sendo ele empresário agrícola. “Quando soube que vinha às Caldas fiquei contente por poder finalmente esclarecer cara a cara esta situação”, disse.
Na sessão nas Caldas, Paulo Morais não referiu o nome de Manuel Isaac, limitando-se a dizer que “há deputados que fazem parte do comissão parlamentar de Agricultura e ao mesmo tempo fazem parte de conselhos de administração de empresas que recebem subsídios do Ministério da Agricultura”.
Mas, segundo Manuel Isaac, num recente artigo num jornal nacional, Paulo Morais terá falado especificamente no seu nome. O deputado e empresário agrícola salientou que a sua empresa não tem nenhum negócio com o Estado português.
O também vereador na Câmara das Caldas esclareceu que recebe apoios da União Europeia no âmbito do Regime de Pagamento Único (RPU), que tem por princípio a compensação dos agricultores para o desligamento total ou parcial da produção. “Isso nada tem a ver com o Estado português”, salientou, acrescentando que até é contra o princípio de aplicação das RPU.
Na opinião de Manuel Isaac, as críticas aos que têm actividades privadas são injustas porque “se formos ver por esse prisma, só pode ir para deputado quem não faz nada”. Até porque, “se me pusessem numa comissão do qual eu não percebesse nada é que seria um inútil”, afirmou à Gazeta das Caldas.
Paulo Morais comentou que Manuel Isaac não deveria ter problemas “em que os jornais dissessem a verdade sobre a sua vida”. O professor universitário defende que os eleitos é que devem ser sempre escrutinados pela opinião pública porque “os políticos não dirigem o público e sim, servem-no”.
Como ex-vereador da câmara do Porto também está disponível para explicar as decisões que tomou. “O papel da opinião pública é ser muito vigilante e exigir que os políticos se expliquem”, afirmou Paulo Morais.

“Os presidentes de Câmara em final de mandato deveriam sair um ano antes”

Paulo Morais defende que os presidentes de câmara que não poderão candidatar-se nas próximas eleições autárquicas, por causa da limitação de mandatos, deveriam pedir a sua demissão pelo menos um ano antes deste terminar.
“Os que têm para onde ir, até para bem da sua saúde, deveriam sair um ano ou dois anos antes”, disse em declarações à Gazeta das Caldas, o único órgão de comunicação social presente nesta conferência.
“Vão sair de um lugar onde eram plenipotenciários porque tinham muito para distribuir, e acabam a sair, muitas vezes, pela porta pequena. Isso pode fazer com que façam muitos disparates porque não vão voltar a ser escrutinados”, acrescentou o orador.
“Em qualquer ciclo de fim de mandato as pessoas perdem poder porque o conjunto de apoiantes que foram recrutando ao longo do tempo, na maioria das câmaras, entraram numa lógica partidária e atrás deste ou daquele benefício”, declarou Paulo Morais.
Como essas pessoas sentem que o poder vai mudar, “vão tentar ‘surfar’ para passar para a nova onda”. Na sua opinião, para muitos vai ser bastante penoso o final dos seus mandatos, principalmente quem está no poder há mais anos.
“Os seus maiores apoiantes vão entrar em lutas fraticídas e nessas lutas as maiores vítimas serão eles próprios, que os nomearam ao longo dos anos”, comentou.
Questionado pelo nosso jornal sobre esta questão relativamente às Caldas da Rainha, o vereador Manuel Isaac informou que Fernando Costa (que não poderá recandidatar-se) “tem estado muito mais afastado”. Segundo o autarca, o actual presidente da Câmara das Caldas “não vai tanto às reuniões e aparece menos”.
A diferença tem até sido mais notória no último ano, altura em que Fernando Costa começou também a não aparecer nas reuniões da Assembleia Municipal.
Segundo informações recolhidas pela Gazeta das Caldas, o presidente da Câmara tem estado mais preocupado com as questões que lhe possam dar visibilidade nacional, como o caso da Linha do Oeste ou com notícias relacionadas, por exemplo, com a baixa de impostos municipais. A razão é óbvia: Fernando Costa pretende ser convidado por este governo para um outro cargo.
Manuel Isaac também acha que o autarca “se está a mexer, a tentar aparecer na comunicação social, mas quais os motivos só ele saberá”. No entanto, o vereador não acha mal que “presidentes de câmara em final de mandato, que toda a vida estiveram na política, tentem encaixar-se noutra coisa política”.
Para Paulo Morais, a saída de dois terços dos actuais presidentes de câmara será uma boa oportunidade para as autarquias. “Pode correr bem ou mal, mas é uma oportunidade de mudança”, declarou.

Pedro Antunes
pantunes@gazetadascaldas.pt

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