Quando se soube que a Polícia Judiciária tinha realizado buscas na Câmara de Alcobaça no âmbito de uma investigação aos negócios relacionados com a Parceria Público-Privada para a construção dos centros escolares do concelho, o presidente da autarquia, Paulo Inácio, apressou-se a esclarecer que as investigações diziam respeito ao anterior mandato. Uma reacção que não agradou a alguns dos membros do anterior executivo, liderado pelo já falecido Gonçalves Sapinho, que não hesitaram em tomar uma posição pública sobre as notícias. As declarações do actual presidente da Câmara levaram mesmo a que Eduardo Nogueira, que até 2009 foi adjunto de Gonçalves Sapinho, se demitisse do cargo de deputado municipal eleito pelo PSD.
A 19 de Janeiro a PJ entrava na Câmara de Alcobaça para investigar a empresa municipal Terra de Paixão e o concurso lançado por esta para a constituição de uma Parceria Público-Privada destinado à construção dos centros escolares no concelho. Uma parceria da qual fazia parte a empresa MRG-Engenharia e Construção, Lda, responsável pela construção dos Centros Escolares de Alcobaça e Benedita e do pavilhão gimnodesportivo de Évora de Alcobaça, e sobre a qual recaem suspeitas relativamente a “obras que nunca foram realizadas ou casos onde foi detectada sobrefacturação ou mesmo facturas falsas”, anunciava na altura o Correio da Manhã.Quatro dias depois, o presidente da autarquia alcobacense, Paulo Inácio, esclarecia em comunicado que “as buscas efectuadas estão enquadradas numa investigação referente ao anterior mandato”, apontando os já referidos negócios entre a Terra de Paixão e a empresa investigada. Buscas nas quais, garantia o autarca, “não foram apreendidos quaisquer documentos ou dados informáticos”.
No comunicado, Paulo Inácio dizia ainda que já no final de 2010, quando o jornal i divulgava pela primeira vez notícias sobre a investigação das parcerias estabelecidas entre diversas autarquias e a construtora, foi determinada “a realização de um inquérito de averiguação, a realizar por uma comissão técnica constituída por dois economistas e um jurista”. Do inquérito saiu um relatório que foi entregue às entidades competentes.
Por fim, o presidente da Câmara voltava a garantir que “o Município de Alcobaça aguarda com serenidade o desenrolar das diligências que nada têm a ver com a gestão do actual mandato, desta presidência”.
“Ingratidão” de Paulo Inácio, dizem antigos autarcas
Terão sido precisamente estas palavras que não caíram bem a Carlos Bonifácio, Alcina Gonçalves e Eduardo Nogueira, que durante a liderança de Gonçalves Sapinho assumiram os cargos de, respectivamente, vice-presidente, vereadora e adjunto do presidente. Cargos que dizem ter ocupado “com muita honra”.
Numa nota à imprensa datada de 2 de Fevereiro, os três antigos autarcas do PSD afirmam que Gonçalves Sapinho “não se pode defender e vê o seu nome arrastado para a lama, precisamente por quem atingiu a cadeira do poder à conta do apoio do Dr. Sapinho”. Acusam, por isso mesmo, Paulo Inácio de uma “ingratidão que não tem limites”, e lembram que “já tinha sido assim há um ano atrás, quando levantou suspeitas sobre a situação financeira da Câmara”.
Quanto às investigações da PJ, garantem nada saber e dizem-se de “consciência tranquila”, disponíveis “para todos os esclarecimentos”. Até porque “não estamos, nem nunca estivemos dependentes da política, nem agarrados aos lugares. Por isso, nos fizemos à vida sem depender das benesses do poder”, dizem.
Nesta tomada de posição pública, Carlos Bonifácio, Alcina Gonçalves e Eduardo Nogueira salientam ainda que “se a investigação tem a ver com a facturação, como vem na imprensa, convém esclarecer que quando o executivo liderado pelo Dr. Sapinho cessou funções estava-se na fase das terraplanagens e não havia ainda facturas emitidas”. No caso de as investigações incidirem sobre as deliberações, esclarecem que “todas as decisões foram objecto de apreciação na Câmara e na Assembleia Municipal”, órgão que na altura era presidido por Paulo Inácio. Acrescentam ainda que todas as deliberações contaram com o voto a favor da bancada social-democrata.
Quanto às referências ao relatório mandado elaborar pelo actual executivo, sem que Paulo Inácio tenha referido as conclusões obtidas, os signatários lamentam que este deixe “um rasto de suspeições que são intoleráveis e incompreensíveis, tanto mais que da sua equipa fazem parte dois vereadores que estiveram no executivo do Dr. Sapinho”. É o caso de José Vinagre e Hermínio Rodrigues, que dizem ser o “principal responsável pelo dossier, como presidente da “Cister – Equipamentos Educativos, SA”, que detém os centros escolares.
Carlos Bonifácio, Alcina Gonçalves e Eduardo Nogueira, que se dizem convictos “da legalidade de todo o processo”, dizem que se Paulo Inácio “pretende atingir o seu vice-presidente Hermínio Rodrigues (…) trate de resolver o assunto internamente e não alimente suspeições que acabam por atingir pessoas que pouco ou nada têm a ver com o assunto”.
Na mesma altura em que era divulgada esta nota à imprensa, Eduardo Nogueira apresentava a sua demissão da Assembleia Municipal de Alcobaça, uma decisão que justifica com as razões apontadas no comunicado.
À Gazeta das Caldas o deputado demissionário apontava a “quebra de confiança” entre si e o partido para não se manter no cargo para o qual foi eleito em 2009.
Dos três signatários da missiva, Eduardo Nogueira era o único que se mantinha na política activa, não só na Assembleia Municipal, mas também na Comissão Política Concelhia do PSD. Relativamente à permanência nesta estrutura, o social-democrata divulga agora que “já estava demissionário desde a escolha do candidato de Alcobaça à Assembleia da República [Valter Ribeiro]” nas eleições legislativas de 2011. “Tenho muito respeito pelo partido e na altura não fiz alarde porque o importante era que o PSD tivesse uma boa votação”, explica.
Eduardo Nogueira diz-se “triste por ver toda esta situação empolada dentro da Câmara Municipal de Alcobaça” e lamenta que o actual presidente da autarquia não tenha dito desde logo que o relatório encomendado não apresentava nada de significativo. “Tinha-lhe ficado bem e tinha posto cobro ao adensamento das suspeições”, diz.
“Abandono a vida política sem qualquer ressentimento ou ressabiamento”, diz Eduardo Nogueira, recusando a existência de uma cisão dentro do partido. “A Câmara tem todas as condições para continuar”, acrescenta.
“Declarações incompreensíveis”, diz Paulo Inácio
Contactado pelo nosso jornal, o presidente da autarquia diz que declarações da nota à imprensa “são desequilibradas e incompreensíveis”. E diz que “o esclarecimento acerca das investigações incidirem sobre o anterior executivo era necessário”.
Paulo Inácio diz que “é de muito mau gosto chamar à equação um homem que já morreu”. E acrescenta: “nunca quis tomar lugar dele e não compreendo que se façam passar por detentores de um legado quando nunca o foram”.
Já Hermínio Rodrigues, citado na nota à imprensa, não quis reagir.
Joana Fialho
jfialho@gazetadascaldas.pt