De quem viveu o PREC e o Verão quente

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Histórias dos primeiros anos após a emoção da revolução dos cravos na primeira pessoa

Carlos Cipriano

José Carlos Faria passa a revolução entre Lisboa e Caldas. Na ESBAL, o estudante faz parte da UEC (União dos Estudantes Comunistas) e quase termina a licenciatura. Faz as cadeiras todas, mas não perde tempo a fazer a tese final e ainda hoje tem o curso incompleto. Com a alegria da revolução a dar lugar a tempos conturbados espera-o a tarefa de defender o partido dos ataques a que este vai ser sujeito no Verão Quente de 1975.
No 28 de Setembro (intentona contra-revolucionária), bateu o recorde sem dormir: 75 horas. A maioria na Espinheira, numa barricada, a controlar carros para ver se tinham armas. No 11 de Março (outra tentativa de golpe), está em Lisboa e acorre ao RALIS e, mais uma vez, fica convicto que a presença da população junto ao local a defender a revolução ajudou a serenar os ânimos das partes beligerantes.
“O Verão Quente foi uma ofensiva reacionária contra a revolução de Abril e, em particular, contra o PCP. Houve sedes assaltadas e queimadas e houve muita coragem por parte de muitos comunistas para defender o partido”, recorda José Carlos Faria, dando como exemplo o sucedido em Alcobaça, onde Rui Baltazar foi espancado e atirado por uma janela. Sobreviveu por pouco. No Bombarral, já com a sede do partido a arder, Américo Fialho foi resgatado pela tropa “e, mesmo assim, ainda foi agredido antes de o terem posto a salvo num Jeep”, conta.
Numa noite, num comício em Alcobaça com a presença de Álvaro Cunhal, o pavilhão em que se encontravam é assaltado e ouvem-se disparos. Os comunistas preparam a defesa e os assaltantes batem em retirada, mas alguns são apanhados, escondidos entre uns arbustos. “Eram uns pobres diabos que vieram do Norte, metidos nuns autocarros a quem deram 50 paus para virem dar porrada nos comunistas. Nem sabiam em que terra estavam”, sublinha.
Desses tempos épicos, destaca o papel determinante de Álvaro Cunhal no evitar de uma guerra civil. “No 25 de Novembro ele teve uma atitude de enorme responsabilidade com uma intervenção que evitou cair em aventureirismos”, diz.
Portugal entra na “normalidade democrática”, uma expressão que José Carlos Faria rejeita. O 25 de Novembro representou um rude golpe na aspirações de grande parte da esquerda e dos comunistas portugueses, mas… a luta continua.
O caldense partilha a atividade política com uma intensa atividade cultural. Em 1978 começa a trabalhar na Casa da Cultura com Joaquim Silva (Quitó). São os dois profissionais de uma coletividade que tem um protocolo com a Secretaria de Estado da Cultura, de quem recebe recebe financiamento, no âmbito de uma política de descentralização cultural.
É sob esse égide que, em julho de 1985, é fundado o Teatro da Rainha, no qual José Carlos Faria começa por ser cenógrafo, passando mais tarde a ator. Quatro anos depois, em virtude do pouco apoio da Câmara ao projeto, a companhia muda-se para Évora, onde o comunista irá viver durante 12 anos e, também ali, com intensa atividade política ligada ao PCP, do qual chega a integrar as listas em autárquicas.

Convicções inabaláveis
A perestroika, a queda do muro de Berlim ou o fim da União Soviética, não lhe beliscaram as convicções políticas.
“Tenho um lema: não desistir, não desesperar, não renegar, não capitular, não trair”, assevera o caldense.
Da experiência do socialismo real assume erros, “sobretudo a excessiva burocratização, o afastamento do sentir do povo, a adulteração de dados dos planeamento económico, vícios diversos”. Mas, sem querer branquear o passado, considera que “houve uma gigantesca campanha de difamação” contra os países comunistas e o processo da perestroika.
De resto, e em resposta implícita a quem dissidiu, José Carlos Faria garante que “nunca ninguém” o “impediu de falar dentro do PCP”.
Para este comunista, a história do partido confunde-se com a história da sociedade portuguesa contemporânea. Apesar dos erros, diz que o PCP “é um partido imprescindível à democracia” e ri-se dos que falam no seu previsível esgotamento. “Andam a falar da morte do PCP desde 1926, com o golpe fascista do 28 de Maio. Até hoje!”, obsrva.
Mas os ventos da história não parecem soprar de forma favorável à causa. “A atitude do movimento comunista internacional é, neste momento, mais de resistência, do que ser um movimento propulsor, mas o que importa é não desistir”.
De resto, mesmo em tempos adversos, um comunista não desiste. José Carlos Faria cita o ensaísta e poeta Manuel Gusmão: “Tenhamos confiança no futuro. O que foi possível uma vez na História, a erupção do futuro nas lutas do presente, será possível outra vez”.
Por isso, crê que “a utopia não é o impossível de alcançar, mas sim o que ainda não foi possível alcançar”. E explica que isto não é uma fé cega, mas sim uma grande confiança no futuro.
“As transformações da sociedade não são lineares, não vão em linha reta, têm avanços e recuos, e, por isso, não devemos perder de vista o essencial que é a paz, a liberdade e o direito à felicidade no seu sentido mais amplo”, atesta o comunista. ■